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Bandeira chinesa estilizada, com as cinco estrelas em amarelo e o fundo em vermelho texturizado

Ni hao!

Estamos de volta com nossa série de textos sobre a China extraídos de ZHONG GUÓ, O PAÍS CENTRAL: BREVE PANORAMA HISTÓRICO E INSTITUCIONAL, texto publicado por Tomaz Vicente de O. Freitas nos cadernos ASLEGIS.

Se você ainda não começou do início, sugiro que o faça agora mesmo, clicando aqui, e depois volte para cá. No primeiro post você também encontra o índice com links para todos os textos desta série, dividida em oito partes, a fim de tornar mais fácil sua leitura e assimilação. 

Isto posto, sem mais delongas, vamos à oitava parte, com o texto original reproduzido a seguir:

A estrutura interna da Assembleia Popular Nacional:  o Comitê Permanente, seus Comitês Especiais, a Suprema Corte Popular e a Suprema Procuradoria Popular

Do exame da estrutura interna da Assembleia chinesa, pode resultar certa surpresa inicial ao analista ocidental, por deparar-se com a Suprema Corte Popular e a Suprema Procuradoria Popular entre os órgãos integrantes do organograma do Poder Legislativo. Tal alocação institucional dos órgãos máximos do Judiciário e do que para nós é o Ministério Público, fiscal da lei, mostra-se, no entanto, perfeitamente lógica à luz da concepção doutrinária e pragmática chinesa de poder popular e de supremacia dos interesses populares, da forma acima sucintamente exposta
.

A APN, dirigida por um Presidium (ou Politburo), composto por seu Presidente, pelo Presidente da República e por seu Vice-Presidente, é estruturada internamente na forma do Comitê Permanente, acima referido, sob cuja direção atuam nove comitês especiais, órgãos de estudo e pesquisa da Assembleia, organizados segundo os seguintes setores temáticos de atividade: legislação; relações exteriores; assuntos judiciais e internos; finanças e economia; educação, ciência, cultura e saúde pública; agricultura e assuntos rurais; proteção de recursos ambientais e meio ambiente; assuntos referentes a nacionalidades chinesas; assuntos referentes a chineses no Exterior.

Seus membros são escolhidos entre os deputados eleitos para a Assembleia, segundo o princípio da notória especialização e experiência profissional na matéria específica do Comitê Especial no qual devam atuar.

Os Comitês Especiais, além de sua incumbência precípua de realizar estudos e pesquisas, devem apresentar ao Comitê Permanente projetos de leis e outras proposições relativas à sua área de competência.

É usual a constituição de grupos de estudo interdisciplinares para examinar e apresentar relatórios, especialmente sobre matérias que se inserem no âmbito de mais de um Comitê Especial.

Além dos seus membros titulares, os Comitês contam, para o desempenho de suas tarefas, com a colaboração de consultores técnicos, indicados pelo Comitê Permanente. Os consultores podem participar, sem direito a voto, das reuniões do Comitê Especial ao qual estejam prestando serviços, sempre que esteja sendo tratado assunto de sua especialidade. Nessas reuniões têm direito a voz, podendo expressar suas opiniões e defender suas posições técnicas.

Relevante para a atuação dos Comitês Especiais o papel desempenhado pela Academia Chinesa de Ciências Sociais (algo assemelhado a um misto de IPEA e IBGE), onde atuam alguns dos técnicos mais capacitados do país, dedicados ao estudo dos problemas – e das soluções – nacionais. Igualmente destacada a atuação da instituição denominada Centro de Pesquisas do Desenvolvimento, diretamente vinculada ao Conselho de Estado
, ou seja, na prática, órgão de assessoramento técnico do primeiro-ministro, que, em conjunto com o Banco Mundial, recentemente publicou o relatório “China 2030: Construindo uma sociedade de alta renda, moderna, harmoniosa e criativa.

Durante a sessão legislativa da Assembleia Popular Nacional, no mês de março, cada Comitê Especial deve submeter um relatório escrito descritivo de suas atividades no ano anterior e indicativo das questões-chave a serem objeto de sua atuação no ano em que está sendo realizada a sessão legislativa.

Destaque-se o papel desempenhado pelo Comitê Especial de Legislação, que tem a incumbência precípua de examinar e deliberar sobre as proposições legislativas submetidas à APN ou a seu Comitê Permanente, bem assim sobre as proposições e respectivos pareceres elaborados pelos demais Comitês Especiais. Como se vê, esse Comitê guarda certa semelhança com as Comissões de Constituição e Justiça das Casas Congressuais brasileiras.

Poderes constitucionais do Comitê Permanente  da Assembleia Popular Nacional

O Comitê Permanente da APN é o órgão de cúpula do Legislativo, a instituição de mais alto nível do Estado chinês, que exerce os mesmos amplos poderes da Assembleia durante todo o período anual em que esta permanece em recesso. No exercício anual do poder legiferante, o Comitê Permanente tem a iniciativa da grande maioria das leis e decisões legislativas em vigor na China. Tem ainda competência legislativa para aprovar emendas a leis editadas pela APN. Tudo sujeito a posterior referenda desta.

Transpondo para a experiência brasileira, seria aproximadamente como se o Executivo (Comitê Permanente) governasse editando sucessivas medidas provisórias ao longo do ano, para que o Congresso Nacional (Assembleia Popular Nacional), ao se reunir, se ocupasse somente de referendá-las.

No exercício do denominado poder supervisor, o Comitê Permanente tem a competência para cumprir missões constitucionais entre nós exclusivas do Poder Judiciário, como interpretar a Constituição e a legislação infraconstitucional, bem como supervisionar o cumprimento da Constituição.

Ao Comitê Permanente da APN cabe supervisionar os trabalhos do Conselho de Estado, da Comissão Militar Central
, do Supremo Tribunal e da Suprema Procuradoria, sendo-lhe atribuída competência constitucional para anular regulamentos exarados por órgãos executivos nacionais ou provinciais, e até mesmo decisões do Conselho de Estado, que entenda contraporem-se à Constituição.

O poder decisório do Comitê Permanente abrange a aprovação e a revisão de planos nacionais, bem assim do orçamento, no curso de sua execução, sempre que a APN não estiver em sessão, ou seja, na quase totalidade do exercício financeiro.

É constitucionalmente atribuída ao Comitê Permanente a competência para decidir sobre a escolha de Ministros do Conselho de Estado, com base em indicação do Primeiro-Ministro, bem assim para nomear e destituir autoridades do Supremo Tribunal e da Suprema Procuradoria, de acordo com indicação, respectivamente, do Presidente daquele Tribunal e do Procurador-Geral, sempre que a APN não estiver em sessão.

Compete ao Comitê Permanente a ratificação ou ab-rogação de acordos e tratados com Estados estrangeiros e, durante o recesso da Assembleia, é ao Comitê Permanente que cabe decidir sobre a proclamação de estado de guerra, de lei marcial e de mobilização geral ou parcial.

O Comitê Permanente realiza interessantes avaliações da implementação de certo número de leis a cada ano. Os resultados obtidos são utilizados para cobrança de providências aos órgãos governamentais responsáveis, como também para formulação de propostas de alterações da legislação.

A estrutura interna do Comitê Permanente da APN

O Comitê Permanente, ao qual se subordinam os Comitês Especiais acima referidos, é composto por um Presidente, um Vice-Presidente e um Secretário-Geral, que compõem seu Conselho Diretor, além de membros titulares, eleitos por cinco anos, no máximo por dois mandatos consecutivos. Aos membros do Comitê é vedado assumir cargo em órgão administrativo, judiciário ou procuratorial. O Comitê se reúne em caráter regular a cada dois meses, sob a coordenação de seu Conselho Diretor.

Operacionalmente, o Comitê é composto de um Escritório-Geral, integrado pelos órgãos administrativos subordinados aos respectivos Comitês Especiais, dos Comitês para as Leis Especiais das Regiões Administrativas Especiais de Hong Kong e Macau, bem como das Comissões de Assuntos Legislativos e de Orçamento.

Integram o Escritório-Geral do Comitê Permanente, além de departamentos para assuntos internacionais, informações e ouvidoria, um órgão de pesquisa, que possui entre as suas atribuições a de conduzir estudos e pesquisas sobre o Sistema de Assembleias Populares da China e realizar estudos comparativos com o modelo adotado por outros países.

A Comissão de Assuntos Legislativos

A Comissão de Assuntos Legislativos - que visitamos
 -, é órgão executivo do Comitê Permanente e, ao mesmo tempo, exerce a função de órgão de assessoria do Comitê Especial de Legislação.

A Comissão tem entre suas atribuições a pesquisa de legislação e a preparação de proposições legislativas, bem como a elaboração de pareceres técnicos nas seguintes áreas temáticas principais: direito penal, direito civil, direito administrativo e direito econômico e financeiro.

A Comissão assessora o Comitê de Legislação da APN em suas deliberações sobre projetos de lei e responde a consultas relativas a leis editadas pelas Assembleias locais e a regulamentos administrativos.

Compete, ainda, à Comissão de Assuntos Legislativos a elaboração e a publicação de compilações das leis chinesas em chinês e em inglês
.

A Comissão de Orçamento

A Comissão de Orçamento é o órgão executivo do Comitê Permanente incumbido de assessorar o Comitê Especial de Finanças e Economia.

Compõe-se de um escritório geral e de divisões de orçamento e balanço, de assuntos legislativos e de pesquisa, que precipuamente analisam a proposta orçamentária anual, as propostas de alterações orçamentárias e supervisionam a execução orçamentária.

Adicionalmente, a Comissão de Orçamento tem as seguintes atribuições principais: elaborar projetos de leis que versem sobre matéria financeira, orçamentária e tributária e conduzir investigações sobre o uso de fundos orçamentários e especiais; avaliações sobre projetos estratégicos; e estudos sobre a apresentação da peça orçamentária e sua estrutura, sobre a execução orçamentária, bem assim sobre a avaliação e supervisão de orçamentos e balanços.

A Lei Orçamentária chinesa dispõe sobre a elaboração, a aprovação, a execução, a supervisão e o controle orçamentário. Foi aprovada na Segunda Sessão da Oitava Assembleia Popular Nacional, realizada em março de 1994, e posteriormente regulamentada por Decisão do Comitê Permanente sobre Avaliação e Supervisão do Orçamento Central, adotada em sua Décima Terceira Reunião, da Nona Assembleia Popular Nacional, em dezembro de 1999. Esta decisão dispõe detalhadamente sobre a estrutura da proposta orçamentária, registros contábeis, destinação de excessos de arrecadação, fundos extra-orçamentários, auditorias e supervisão da execução orçamentária e, ainda, sobre as funções e atribuições do Comitê Especial de Finanças e Economia.

Sobre matéria orçamentária é interessante observar que, sendo o exercício financeiro coincidente com o ano civil (pelo calendário gregoriano
), a aprovação da proposta orçamentária anual é atribuída ao Comitê Permanente, que dá início à execução orçamentária em 1º de janeiro de cada exercício. Em sua sessão anual, a Assembleia Popular Nacional referenda a aprovação do orçamento, quando este já se encontra em fase de execução.

O processo legislativo

Tratam do processo legislativo, além da Constituição chinesa, a Lei Orgânica da Assembleia Popular Nacional, a Lei sobre legislação (aproximadamente equivalente à Lei Complementar nº 95, brasileira
), bem como os Regulamentos sobre Procedimentos da APN e do seu Comitê Permanente (algo como os Regimentos Internos das Casas Congressuais brasileiras).

Detêm competência para propor Emendas à Constituição apenas o Comitê Permanente da APN e pelo menos um quinto dos membros da APN.

Com relação à legislação infraconstitucional, detêm iniciativa legislativa perante a Assembleia Popular Nacional os seguintes órgãos: o Presidium da APN, o Comitê Permanente, o Conselho de Estado, a Comissão Militar Central, o Supremo Tribunal Popular, a Suprema Procuradoria Popular e os Comitês Especiais da própria APN. Uma delegação provincial, bem como um grupo de trinta ou mais deputados também podem submeter um projeto de lei à APN.

Controla a agenda das sessões o Presidium da APN, que pode determinar o exame prévio de uma proposição por uma comissão ad hoc, para emissão de parecer, utilizado como subsídio para posterior decisão sobre a inclusão da matéria na pauta de votações de uma sessão da APN.

Procedimento análogo é utilizado para apresentação, análise e tramitação de proposições perante o Comitê Permanente, que, tornamos a ressaltar, assim como a APN, é detentor do poder de legislar. O Conselho de Dirigentes do Comitê controla a agenda das reuniões e decide sobre a colocação em pauta de proposições. Caso o Conselho julgue que uma proposição contém questões relevantes, que requeiram estudos adicionais, pode recomendar ao autor da proposição que a revise e a aprimore.

Aprovada pela APN, ou por seu Comitê Permanente, a lei é promulgada pelo Presidente da República e a seguir publicada no Boletim do Comitê Permanente, bem assim em jornais de circulação nacional.

Com relação à legislação subnacional, os Legislativos das províncias, regiões autônomas, municipalidades diretamente sob o controle do Governo Central, bem como dos municípios de maior porte, detêm um poder legislativo residual, que lhes permite editar leis sobre matérias não regulamentadas por lei de âmbito nacional.

Relacionamento interinstitucional: a APN e os demais  órgãos de Estado executivos, judiciários e procuratoriais

Nos termos da Constituição chinesa
, todos os órgãos executivos, judiciários e procuratoriais são criados por Assembleias Populares do respectivo nível e perante estas são responsáveis e devem prestar contas. Os órgãos do Poder Legislativo chinês detêm, portanto, permanentemente, o já mencionado poder supervisor sobre as atividades de quaisquer outros órgãos do Estado, que, em qualquer nível, nacional, provincial ou local, devem observar o que estabelece a Constituição chinesa, as leis e decisões adotadas pela Assembleia Popular Nacional.

O exercício do poder supervisor pelo Legislativo inclui o poder de anular regulamentos e decisões executivas e de exigir a apresentação de relatórios de atividades por todos os demais órgãos estatais, inclusive judiciários, os quais, após análise e avaliação, são levados em consideração na escolha, manutenção ou destituição de seus dirigentes, o que, de acordo com a legislação chinesa aplica-se, inclusive, no nível nacional, ao Conselho de Estado.

Como decorrência de seu poder supervisor, o Legislativo chinês, por meio das Assembleias Populares ou de seus Comitês Permanentes, tem, ainda, a prerrogativa legal de conduzir inquéritos e sindicâncias tanto em órgãos executivos como judiciários ou procuratoriais.

Interessante igualmente observar que ao Supremo Tribunal Popular compete supervisionar o trabalho judicial dos Tribunais Locais e Especiais nos seus diversos níveis. Da mesma forma, à Suprema Procuradoria Popular cabe dirigir as atividades das Procuradorias de menor hierarquia.

Ao examinar os vínculos institucionais entre o Legislativo e os demais órgãos estatais chineses, há que se ter presente o acima referido poder constitucional, que o Legislativo detém, de escolher e destituir os dirigentes dos órgãos do Estado que, nos países ocidentais, consideraríamos integrantes dos Poderes Executivo e Judiciário, bem como do Ministério Público.

O exercício regular desse poder, ou competência constitucional, que se estende a todos os níveis infranacionais, por si só é suficiente para demonstrar a já referida verticalidade que marca o relacionamento entre o Legislativo e os demais órgãos do Estado chinês. 

Conforme esclarecemos acima, ao abordarmos o Sistema de Assembleias Populares, o poder de escolha e destituição dos dirigentes máximos dos órgãos de cúpula executivos, inclusive militares, bem como judiciários e procuratoriais, originariamente pertencente às Assembleias Populares, é regularmente exercido, mediante delegação constitucional, por seus Comitês Permanentes, exceto durante os curtos períodos das sessões legislativas anuais, que habitualmente ocorrem no mês de março.

A atividade supervisora do Legislativo sobre o Conselho de Estado parece-nos expressa com particular clareza na Decisão do Comitê Permanente da APN sobre Supervisão da Atividade Econômica, adotada na sua Décima Quarta Reunião, no âmbito da Nona Assembleia Popular Nacional, realizada em março de 2000. Esta Decisão estabelece que o Comitê Permanente examinará e aprovará as propostas de planos nacionais de desenvolvimento econômico e social, e suas revisões, bem assim os relatórios referentes a temas específicos, como projetos estratégicos, preparados pelo Conselho de Estado, e supervisionará sua implantação.

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E por enquanto é só. Te aguardo na próxima semana, com a continuação que irá concluir este panorama com algumas questões (im)pertinentes e colocará novamente Mao e Confúcio na eterna encruzilhada do tempo.

Grande abraço e tudo de bom!

Zái Jiàn! 

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Créditos e referências

Ilustrações e fotos creditadas na ordem em que aparecem no post.

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