Ads Top

Escultura à entrada do Museu Memorial à Guerra do Ópio, GuangZhou, China

Ni hao!

Estamos de volta com nossa série de textos sobre a China extraídos de ZHONG GUÓ, O PAÍS CENTRAL: BREVE PANORAMA HISTÓRICO E INSTITUCIONAL, texto publicado por Tomaz Vicente de O. Freitas nos cadernos ASLEGIS.

Se você ainda não começou do início, sugiro que o faça agora mesmo, clicando aqui, e depois volte para cá. No primeiro post você também encontra o índice com links para todos os textos desta série, dividida em oito partes, a fim de tornar mais fácil sua leitura e assimilação. 

Isto posto, sem mais delongas, vamos à terceira parte, com o texto original reproduzido a seguir:

O colapso do Estado imperial confuciano  e o advento da Primeira República (ou República do Caos)

O mundo ideal confuciano, é evidente, nem sempre foi alcançado pelas instituições chinesas. Prova disso é a própria sucessão das dinastias imperiais, cada colapso dinástico materializando uma crise profunda do Estado, uma disputa normalmente sangrenta pelo poder, finalizada com a abrupta substituição da família legitimada a exercer o poder máximo - processo que se repetiu em dezesseis ocasiões segundo alguns autores, ou dezenove, segundo outros -, até que a avassaladora crise do século 19, em toda a sua complexidade, viesse encerrar o ciclo de dinastias e decretar o fim da era imperial, já em 1912.

A decrepitude do ambiente e da visão de mundo (ou “filosofia de vida”) dos literatos confucianos, liderança intelectual e política do país, e a consequente letargia que dominava o Estado e a sociedade na China, já haviam sido captadas de forma magistral – não sem boa dose de sarcasmo, por Wu Jiang Zi, no seu romance Os Eruditos
, escrito no século 18. Posteriormente, já no século 20, Qian Zhongshu, que estudou literatura comparada em Oxford e Paris, retratou, também em cores vívidas, a inviabilidade da velha ordem no seu romance Fortaleza Assediada.

É dramaticamente extensa a sucessão de eventos catastróficos que levaram ao colapso da última dinastia - que, na verdade, sequer chinesa era (de etnia jürchen, ou Manchu, como se autodenominava o povo do norte do império que o invadiu e dominou no século 17) - e do próprio império.

Tenha-se presente que, em mais de uma ocasião, a China foi invadida e conquistada (pelos qidan, dinastia Liao; pelos ruzhu, dinastia Jin; e pelos mongóis, dinastia Jin), porém, os invasores acabaram invariavelmente assimilados pela cultura chinesa e por ela absorvidos. Porém, o que ocorreu no século 19, diante da influência europeia, foi um fenômeno histórico essencialmente diverso.

Tensões provocadas por crises periódicas provocaram verdadeiro caos econômico, político e social, cuja origem pode ser facilmente reconhecida na fragilidade das instituições chinesas para enfrentar as tragédias provocadas pelas práticas dos invasores estrangeiros ocidentais, especialmente ingleses e franceses, seguidas da traumática desintegração do poder central vivida no período final da monarquia, e que culminaram com a devastadora ocupação nipônica, ocorrida já no século 20.

Realizando um esforço de síntese, buscamos captar o leitmotiv de toda essa dramática cena histórica, transcorrida nos cento e quarenta anos que se passaram entre 1839, ano da Primeira Guerra contra o Ópio
, movida pela Inglaterra, e 1979, ano que marcou o início da recuperação do poder nacional chinês, com proeminência mundial.


Depois de ter estado na vanguarda econômica e tecnológica mundial durante um largo período histórico, em que deu ao mundo inventos como o papel, a imprensa, a pólvora e a bússola, e produziu a mais refinada arte em porcelana e seda conhecida - período em que o visitante Marco Polo
, encantado, a chamou de “país mais rico do mundo” -, a China acomodou-se em uma espécie de letargia patriarcal, dramaticamente aprofundada no século 19 pelo consumo generalizado de ópio, fomentado pela deletéria influência ocidental.

Quando o efêmero império inglês aproximava-se de seu meteórico apogeu, em 1793, enviou a Beijing um emissário, com a missão de estabelecer laços comerciais com a China favoráveis à Inglaterra, o que significava, basicamente, trocar artefatos ingleses, gerados pela revolução industrial em curso, principalmente por chá, seda e porcelana chinesas.

A recusa arrogante do imperador chinês fê-lo “jurado de morte” pelo então poderoso império rival. Sendo, à época, o único produto de certíssimo interesse dos chineses o ópio, produzido na Índia - à época submetida ao domínio inglês -, passou a Inglaterra a contrabandear aquele narcótico em quantidades rapidamente crescentes, com duplo objetivo: o primeiro, diretamente comercial, gerar moeda de troca por produtos chineses; o outro, não menos importante, ainda que possivelmente menos evidente, era o de literalmente entorpecer a China, de maneira a torná-la presa fácil dos seus interesses inescrupulosos .

A tentativa desesperada da China de livrar-se dessa asfixia letal, impedindo o narcotráfico inglês, foi duplamente sufocada pelos gloriosos canhões da Royal Navy, nas duas inqualificáveis 
Guerras contra o Ópio, ocorridas em torno de 1840, nas quais a derrota acachapante da China teve por efeito garantir a livre entrada de ópio – obviamente, desde que vendido por súditos da rainha Vitória - em território chinês e mais uma série de humilhações desmoralizantes para os chineses, inclusive a entrega de Hong Kong aos ocidentais.

"Escancarada a porteira” pelas derrotas fragorosas nas Guerras contra o Ópio para quaisquer agressores estrangeiros gananciosos e desejosos de fazer “negócios da China”, ou seja, apresentada ao mundo da pior forma sua imensa fragilidade, e inteiramente desmoralizado, o império chinês entrou em rápida linha de ruptura, com mais agressões estrangeiras, especialmente de França, Inglaterra e Japão, humilhações internacionais de toda ordem, tumultos e revoltas internas, como a dos Taiping
, no século 19, e por fim a dos Boxers, já na virada do século 20.

Por fim, em 1911, consumou-se a derrocada do Ancien Régime, oficializada pela abdicação de Pu Yi, o último imperador, em 12 de fevereiro de 1912, como já mencionamos
.

Na fase final desse período extremamente turbulento, brotou a liderança brilhante e moderada de Sun Yat Sen
, fundador da Aliança Revolucionária, posteriormente transformada no Guo Min Dang, o Partido Nacional do Povo, cujo líder máximo viria a ser Chiang Kai Shek, principal opositor de Mao Ze Dong e da implantação da república comunista na China.

Sun Yat Sen chegou a ser aclamado presidente provisório, em janeiro de 1912, porém, sem apoio militar suficiente, teve de renunciar logo após. Seguiu-se um período de 15 anos de desunião nacional e gravíssimo risco de secessão, no qual líderes militares exerciam poder absoluto nas parcelas do território que conseguiam conquistar. Ou seja: destruído o poder wen, dos mandarins, a corrente wu, violenta, militar, imperou por vários anos na China, na verdade, como veremos, até 1976.

No período que se seguiu à queda do regime imperial, brilhou na China o gênio do escritor Lu Xun
, que, em diversas obras, produzidas em torno de 1920, atacava os ideais confucianos com virulência e defendia o ativismo revolucionário para alcançar mudanças na sociedade chinesa.

Lu Xun foi certamente o mais destacado escritor do movimento cultural e político Quatro de Maio
, iniciado com uma grande manifestação de estudantes em Tian An Men, tendo como mote principal protestar contra os prejuízos sofridos pela China no Tratado de Versalhes, que pôs fim à Primeira Guerra Mundial, e despertar o povo chinês para a gravidade da situação vivida pelo país.

Somente em 1928, o Guo Min Dang, de Chiang Kai Shek, submeteu em boa medida seus opositores, inclusive os comunistas, ainda em fase inicial de organização, e obteve algo próximo à hegemonia nacional.

Fixando sua capital em Nanjing (literalmente “capital do sul”, em oposição a Beijing, “capital do norte”) e atribuindo-se o título de Presidente do Conselho de Estado, Chiang organizou os poderes da nova república ao modo ocidental, porém com uma “pitada” tipicamente chinesa, como se pode depreender de sua simples enunciação: executivo, legislativo, judiciário, controlador, além de um quinto, de exames.

Nos anos que se seguiram, enfrentando a invasão japonesa e a crescente oposição comunista, principalmente nas áreas rurais – onde se concentrava mais de noventa por cento da população chinesa –, e dando provas de incompetência militar e administrativa – ou seja, não tendo conseguido livrar a China do caos –, o Guo Min Dang, de Chiang Kai Shek, desintegrou-se e seus partidários restantes acabaram refugiando-se na ilha de Taiwan, onde permanecem até hoje.

---

E por enquanto é só. Te aguardo na próxima semana, com a continuação que irá tratar da implantação do comunismo na China por Mao Tsé-tung e da tragédia que se seguiu.

Grande abraço e tudo de bom!

Zái Jiàn! 

Texto anterior


Próximo texto


---

Créditos e referências

Ilustrações e fotos creditadas na ordem em que aparecem no post.

Nenhum comentário:

Tecnologia do Blogger.