O avanço do capitalismo chinês na chamada Terceira República
Ni hao!
Estamos de volta com nossa série de textos sobre a China extraídos de ZHONG GUÓ, O PAÍS CENTRAL: BREVE PANORAMA HISTÓRICO E INSTITUCIONAL, texto publicado por Tomaz Vicente de O. Freitas nos cadernos ASLEGIS.
Se você ainda não começou do início, sugiro que o faça agora mesmo, clicando aqui, e depois volte para cá. No primeiro post você também encontra o índice com links para todos os textos desta série, dividida em oito partes, a fim de tornar mais fácil sua leitura e assimilação.
Isto posto, sem mais delongas, vamos à sexta parte, com o texto original reproduzido a seguir:
A vitória capitalista e a Terceira República (ou República Pragmática Confucionista)
Ao assumir o poder como novo líder máximo da China, em fins de 1978, Deng Xiao Ping fundou o que consideramos Terceira República, diferente em sua essência da República Maoísta: incentivos à internalização de capital estrangeiro, via investimentos produtivos em parceria com o Estado chinês, à propriedade privada, à eficiência empresarial e ao lucro ao invés da coletivização forçada dos meios de produção e do apelo insistente a uma etérea “liberação das forças totais da vontade humana” e à “autoconfiança” do povo chinês; estabilidade econômica ao invés de planos mirabolantes e irrealizáveis; harmonia social ao invés de tumultos, baderna e violência institucionalizadas; controle rigoroso da natalidade ao invés de incentivo a tantos filhos quantos as mulheres pudessem suportar.
Com suas ideias claras e objetivas – poder-se-ia dizer, com sua mente matemática –, Deng havia estabelecido o firme propósito de garantir que, ano após ano, em caráter estável e permanente, fosse verificada a inequação crucial da economia chinesa (a mesma que ainda hoje norteia as decisões principais do governo chinês): a taxa de crescimento econômico do país tinha de ser maior que a taxa de crescimento vegetativo da população somada à taxa de migração interna campo-cidade (ressalte-se que, em 1983, 80% da população da China ainda vivia nas áreas rurais ou em pequenas aldeias e, como no resto do mundo, era fortemente atraída pelas oportunidades de trabalho oferecidas pelas cidades).
A estabilidade social do país, o bem-estar da população chinesa e a própria estabilidade política – traduza-se, a manutenção do PCC no poder – dependiam vitalmente dessa inequação, invertida a qual cresceria exponencialmente a probabilidade de uma nova fase de luàn (caos) econômico, social e político.
Partindo dessa premissa básica (por assim dizer, com essa inequação na cabeça) Deng estabeleceu as políticas fundamentais da Terceira República.
A nova política demográfica instituiu controle estrito e rigoroso da natalidade, traduzido basicamente na regra de um só filho por casal, logrando, efetivamente, conter o crescimento populacional vertiginoso incentivado por Mao (até como mecanismo psicológico do tipo “válvula de escape” para a população de todas as enormes tensões impostas pelo duro regime de contenção pessoal e social que implantou).
A migração interna, sempre uma preocupação central – afinal, ainda hoje são praticamente 700 milhões de chineses submetidos à dura vida nas áreas rurais, onde a remuneração é baixa, os trabalhos pesados, e as oportunidades de ascensão social e econômica praticamente inexistentes –, foi mantida estritamente controlada pela política hukou, de limitação da mobilidade geográfica aos que comprovam ter emprego no município de destino.
Quanto à nova política econômica, que consistiu basicamente na implantação de um capitalismo de Estado, a partir de 1979, foi dirigida às famosas Quatro Modernizações, que incluíam a indústria, a agricultura, a defesa nacional e a área científico-teconológica, e podem ser resumidas a um gigantesco esforço nacional para importar, avidamente, o modo de produção, a tecnologia e as práticas comerciais dos países capitalistas, inclusive do Japão.
O resultado, todos conhecemos: a inequação vem sendo verificada de forma estável, a economia chinesa cresce muito mais rapidamente que sua população e absorve, com grande folga, o crescimento da população urbana. A China, finalmente, deu seu verdadeiro Grande Salto para Frente.
Passados mais de 30 anos, esse Salto capitalista, que já elevou o país à condição de segunda maior economia do planeta, ainda não foi concluído, e dá mostras de que levará o País Central muito mais distante, a despeito de todos os desafios que vem enfrentando, inclusive os reclamos pela liberalização política do regime, aos moldes ocidentais, que tiveram seu auge nas manifestações de 1989, em Tian An Men.
A nova geração de líderes comunistas no poder
Implantada a Terceira República pelo mecanismo da expressão da vontade da esmagadora maioria dos membros do PCC, a verdadeira revolução pacífica – perdoada a contradição em termos – liderada por Deng Xiao Ping foi consolidada nos seus primeiros cinco anos de existência. Contornados os focos de resistência dos quadros partidários saudosistas da República Maoísta, em 1982 já se ouviam as primeiras observações críticas sobre os erros da era Mao.
Inexistente o mecanismo sucessório institucionalizado, conforme já comentado, Deng entregou o poder a uma nova geração de dirigentes com características marcadamente tecnoburocráticas, altamente preparados, com formação em ciências exatas, sendo sucedido na presidência pelos engenheiros: Jiang Ze Min, presidente entre 1993 e 2003, e Hu Jin Tao, de 2003 até - segundo se prevê - 2013.
Jiang Ze Min, ao suceder Deng, promoveu mais um grande salto da economia chinesa, consumando o ingresso do país na OMC e implantando um amplo programa de reestruturação das empresas estatais e de saneamento do sistema bancário.
Nos últimos anos, Hu Jin Tao, o atual presidente, vem levantando as bandeiras do “desenvolvimento científico” e da “sociedade harmoniosa”, incluídas na Constituição do partido, como uma nova fase do desenvolvimento chinês, mais focada no aspecto qualitativo, principalmente ambiental, e no consumo interno.
Ao assumir o poder como novo líder máximo da China, em fins de 1978, Deng Xiao Ping fundou o que consideramos Terceira República, diferente em sua essência da República Maoísta: incentivos à internalização de capital estrangeiro, via investimentos produtivos em parceria com o Estado chinês, à propriedade privada, à eficiência empresarial e ao lucro ao invés da coletivização forçada dos meios de produção e do apelo insistente a uma etérea “liberação das forças totais da vontade humana” e à “autoconfiança” do povo chinês; estabilidade econômica ao invés de planos mirabolantes e irrealizáveis; harmonia social ao invés de tumultos, baderna e violência institucionalizadas; controle rigoroso da natalidade ao invés de incentivo a tantos filhos quantos as mulheres pudessem suportar.
Com suas ideias claras e objetivas – poder-se-ia dizer, com sua mente matemática –, Deng havia estabelecido o firme propósito de garantir que, ano após ano, em caráter estável e permanente, fosse verificada a inequação crucial da economia chinesa (a mesma que ainda hoje norteia as decisões principais do governo chinês): a taxa de crescimento econômico do país tinha de ser maior que a taxa de crescimento vegetativo da população somada à taxa de migração interna campo-cidade (ressalte-se que, em 1983, 80% da população da China ainda vivia nas áreas rurais ou em pequenas aldeias e, como no resto do mundo, era fortemente atraída pelas oportunidades de trabalho oferecidas pelas cidades).
A estabilidade social do país, o bem-estar da população chinesa e a própria estabilidade política – traduza-se, a manutenção do PCC no poder – dependiam vitalmente dessa inequação, invertida a qual cresceria exponencialmente a probabilidade de uma nova fase de luàn (caos) econômico, social e político.
Partindo dessa premissa básica (por assim dizer, com essa inequação na cabeça) Deng estabeleceu as políticas fundamentais da Terceira República.
A nova política demográfica instituiu controle estrito e rigoroso da natalidade, traduzido basicamente na regra de um só filho por casal, logrando, efetivamente, conter o crescimento populacional vertiginoso incentivado por Mao (até como mecanismo psicológico do tipo “válvula de escape” para a população de todas as enormes tensões impostas pelo duro regime de contenção pessoal e social que implantou).
A migração interna, sempre uma preocupação central – afinal, ainda hoje são praticamente 700 milhões de chineses submetidos à dura vida nas áreas rurais, onde a remuneração é baixa, os trabalhos pesados, e as oportunidades de ascensão social e econômica praticamente inexistentes –, foi mantida estritamente controlada pela política hukou, de limitação da mobilidade geográfica aos que comprovam ter emprego no município de destino.
Quanto à nova política econômica, que consistiu basicamente na implantação de um capitalismo de Estado, a partir de 1979, foi dirigida às famosas Quatro Modernizações, que incluíam a indústria, a agricultura, a defesa nacional e a área científico-teconológica, e podem ser resumidas a um gigantesco esforço nacional para importar, avidamente, o modo de produção, a tecnologia e as práticas comerciais dos países capitalistas, inclusive do Japão.
O resultado, todos conhecemos: a inequação vem sendo verificada de forma estável, a economia chinesa cresce muito mais rapidamente que sua população e absorve, com grande folga, o crescimento da população urbana. A China, finalmente, deu seu verdadeiro Grande Salto para Frente.
Passados mais de 30 anos, esse Salto capitalista, que já elevou o país à condição de segunda maior economia do planeta, ainda não foi concluído, e dá mostras de que levará o País Central muito mais distante, a despeito de todos os desafios que vem enfrentando, inclusive os reclamos pela liberalização política do regime, aos moldes ocidentais, que tiveram seu auge nas manifestações de 1989, em Tian An Men.
A nova geração de líderes comunistas no poder
Implantada a Terceira República pelo mecanismo da expressão da vontade da esmagadora maioria dos membros do PCC, a verdadeira revolução pacífica – perdoada a contradição em termos – liderada por Deng Xiao Ping foi consolidada nos seus primeiros cinco anos de existência. Contornados os focos de resistência dos quadros partidários saudosistas da República Maoísta, em 1982 já se ouviam as primeiras observações críticas sobre os erros da era Mao.
Inexistente o mecanismo sucessório institucionalizado, conforme já comentado, Deng entregou o poder a uma nova geração de dirigentes com características marcadamente tecnoburocráticas, altamente preparados, com formação em ciências exatas, sendo sucedido na presidência pelos engenheiros: Jiang Ze Min, presidente entre 1993 e 2003, e Hu Jin Tao, de 2003 até - segundo se prevê - 2013.
Jiang Ze Min, ao suceder Deng, promoveu mais um grande salto da economia chinesa, consumando o ingresso do país na OMC e implantando um amplo programa de reestruturação das empresas estatais e de saneamento do sistema bancário.
Nos últimos anos, Hu Jin Tao, o atual presidente, vem levantando as bandeiras do “desenvolvimento científico” e da “sociedade harmoniosa”, incluídas na Constituição do partido, como uma nova fase do desenvolvimento chinês, mais focada no aspecto qualitativo, principalmente ambiental, e no consumo interno.
Antes de prosseguir com a reprodução do texto original, vale destacar que, quando o artigo foi publicado nos cadernos Aslegis, Hu Jin Tao era o presidente da China. Atualmente, esse cargo é ocupado por Xi Jin Ping, desde 2013. Continuando:
Reafirmando seus ideais confucionista e desenvolvimentista perante uma plateia de quadros partidários, Hu discursou recentemente, enfatizando:
"O desenvolvimento é de importância primordial, e a estabilidade é a tarefa primordial" e "Sem estabilidade, nada pode ser realizado, e as conquistas que fizemos também serão perdidas. Todos os camaradas do partido precisam compreender essa mensagem e precisam também liderar o povo para que a compreenda."
Observe-se o foco central na estabilidade, como valor maior – confucionista – a ser preservado, na visão do presidente chinês.
Hu vem tendo seu processo sucessório, a ser finalizado em 2013, travado entre Xi Jin Ping e Li Ke Qiang. Xi Jin Ping, o provável eleito, atualmente seu vice-presidente, é pragmático, comprovadamente bom administrador, considerado membro da aristocracia do partido (taizidan), já viveu no interior dos Estados Unidos, em Iowa, num programa de intercâmbio cultural, e passou por processo “reeducativo” maoísta na adolescência, durante a Revolução Cultural, quando foi obrigado a dedicar-se a trabalhos braçais no ambiente rural.
O outro candidato, Li Ke Qiang, preferido de Hu, é atualmente vice-primeiro-ministro, defende como prioridade máxima o aumento do consumo interno por meio de incentivos fiscais e creditícios, bem como melhorias do acesso ao serviço público de saúde e das aposentadorias. Provavelmente terá de contentar-se com o cargo de primeiro-ministro.
Feitas essas considerações de caráter histórico, passamos a descrever o funcionamento das instituições governamentais chinesas, mantidas praticamente intactas desde a 2ª República, nada obstante as diversas reviravoltas do processo político, anteriormente descritas.
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E por enquanto é só. Te aguardo na próxima semana, com a continuação que irá tratar da organização política do Estado chinês contemporâneo, com a todo poderosa Assembleia Popular Nacional.
Grande abraço e tudo de bom!
Zái Jiàn!
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- O Estado Chinês contemporâneo e a Assembleia Popular Nacional (post publicado a partir de 05/12/2020)
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Créditos e referências
Ilustrações e fotos creditadas na ordem em que aparecem no post.- Renminbi - foto de faungg's photos, encontrada no Flickr.
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