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Grafite da bandeiea chinesa com cifras, representando divertidamente o capitalismo chinês

Ni hao!

Estamos de volta com nossa série de textos sobre a China extraídos de ZHONG GUÓ, O PAÍS CENTRAL: BREVE PANORAMA HISTÓRICO E INSTITUCIONAL, texto publicado por Tomaz Vicente de O. Freitas nos cadernos ASLEGIS.

Se você ainda não começou do início, sugiro que o faça agora mesmo, clicando aqui, e depois volte para cá. No primeiro post você também encontra o índice com links para todos os textos desta série, dividida em oito partes, a fim de tornar mais fácil sua leitura e assimilação. 

Isto posto, sem mais delongas, vamos à quinta parte, com o texto original reproduzido a seguir:

A ascensão ao poder da corrente capitalista do PCC

Nos primeiros tempos da Revolução Cultural, ainda em 1966, Mao, com sua aguçada perspicácia política – certamente muito bem fundamentada nas informações que fluíam dos serviços de inteligência para seus ouvidos e para sua mesa –, denunciava publicamente haver, à época, muitos quadros partidários no PCC que “estavam tomando o caminho capitalista” mesmo quando proclamavam slogans socialistas. Observe-se que, segundo o próprio Mao, eram muitos os adeptos do capitalismo no partido. Hoje se sabe que a quantificação utilizada foi bastante conservadora: na verdade, os capitalistas constituíam a esmagadora maioria dos quadros partidários, e era liderada por Deng Xiao Ping.

Líder comunista desde os anos 1920 e um dos heróis sobreviventes da Longa Marcha, na Revolução Cultural, em 1966, Deng foi submetido a julgamento popular e humilhação pública com sua família, e teve um filho jogado para a morte da janela de um prédio da Universidade de Beijing, tendo se salvado, paraplégico.

Enviado para um lugar recôndito na área rural, em processo de “reeducação”, que consistiu basicamente em consertar máquinas agrícolas durante vários anos, mas tendo tido a boa fortuna de ser poupado da morte, Deng foi finalmente trazido de volta ao centro do poder, em 1974, como vice-primeiro-ministro, pelo sempre admiravelmente moderado, sensato e arguto, então primeiro-ministro Zhou En Lai.

Deng Xiao Ping encarnava a praticidade do povo chinês, uma de suas marcantes características. De fato, era um homem pragmático, que, como nos relata Kissinger
, não suportava tergiversações ou digressões filosóficas em suas conversas, sempre extremamente objetivas, ao contrário de Mao, que, mesmo sendo um perfeito representante da corrente wu, partidária da violência e militarista, no final da vida queria ser visto e lembrado como “filósofo”, a confirmar que, na verdade, em toda a perseguição que, ao longo da vida, moveu à elite erudita chinesa havia muito de admiração e, possivelmente, despeito.

Com esse espírito objetivo, focado nos resultados e despido de dogmas, Deng, seguido pela grande maioria de seus camaradas de partido, observou, ainda na primeira metade dos anos 1960, os efeitos sobre a economia do retumbante fracasso do Grande Salto dado pela China para as profundezas do socialismo e, comparando-o com o espetacular “milagre” econômico japonês, decidiu-se a abandonar de vez - confirmando a taxativa constatação de Mao – suas antigas convicções socialistas e a lutar pela implantação de um capitalismo moderno na China.

O sucesso econômico dos quatro “tigres asiáticos
, entre eles Taiwan, decantado a partir dos anos 1970 – e o esfacelamento da União Soviética, já nos anos 80 – só serviram para confirmar o acerto da corrente capitalista no PCC, que, como Deng, enxergava claramente a aproximação de mais um desastre nacional, se mantido o dao socialista, que levava a China a uma enorme vulnerabilidade (especialmente frente ao Japão) e a uma posição subalterna na política asiática – que dizer da mundial – , incompatível com a tradição e o potencial do país, que sempre se havia orgulhado de sua posição central.

Deng e sua corrente capitalista no PCC haviam-se especialmente dado conta de que, permanecendo a China birrentamente atrelada, por puro radicalismo ideológico irracional, a um fracassado socialismo, acabaria inexoravelmente aprofundando seu atraso tecnológico e econômico, com grave risco de desestabilização social, e de ficar o país novamente à mercê do agressivo poderio japonês, que, temporariamente contido, mais cedo ou mais tarde apresentaria suas garras, ao menos na opinião chinesa dominante.

A bem da verdade, hoje já está claro que o próprio Mao, em seus últimos anos de vida, demonstrava estar convencido da necessidade de uma “virada de mesa” para o capitalismo, e só não se decidiu a executá-la, em parte por veleidade pessoal, para manter coerência com suas convicções ideológicas de toda a vida, em outra parte por pressão doméstica de 
Jiang Qing, mas principalmente porque sabia que jamais poderia ser ele próprio a liderar essa nova etapa da história da China.

Confirmando essa constatação, observe-se que Mao não indicou Jiang Qing ou qualquer outro dos radicais socialistas para sucedê-lo, e já dera passos decisivos – contrariando frontalmente o grupo radical – em direção à aproximação com o Ocidente e a uma forte aliança com os Estados Unidos, é verdade que premido pela ameaça militar soviética fronteiriça, como tão detalhadamente nos relata Kissinger, em seu On China
.

Mas não apenas isso: Mao aceitara a já mencionada reabilitação de Deng Xiao Ping e sua condução a um cargo da mais alta preeminência no governo, mesmo conhecendo precisamente as convicções de Deng e sua condição de principal líder da corrente capitalista no PCC.

Zhou En Lai certamente havia conseguido convencer Mao da necessidade vital de voltar a contar com as qualidades ímpares do capitalista Deng no governo, em um momento em que a nova política externa de reaproximação com o Ocidente era a opção única para a China, e exigia quadros preparados e de mente aberta, como era exatamente o caso de Deng.

Além disso, Zhou seguramente desejava, na medida de suas possibilidades políticas, conduzir a sucessão de Mao na direção que ele percebia ser a melhor para a China, ao sentir aproximar-se o desfecho de sua própria luta contra um câncer e também a morte de Mao, que, com mal de Parkinson em estágio avançado, começava a mencionar com certa frequência, para interlocutores diversos, seu próximo “encontro com Deus”, como nos relatam Spence 
e também Kissinger, que teria ouvido pessoalmente essa profissão de fé do líder comunista.

Morto Zhou, em 8 de janeiro de 1976, e perdido assim seu “padrinho”, Deng, que, por causa da franca e aberta exposição de suas ideias pragmáticas capitalistas, já vinha sendo atacado por seus opositores radicais “fundamentalistas” do partido, voltou a ser novamente perseguido abertamente.

Deng Xiao Ping e Jiang Qing, àquela altura, lideravam facções opostas do partido, ou, mais propriamente, verdadeiros partidos dentro do Partido Comunista, em luta pela sucessão presidencial, que continuou, acirrada, após a morte de Mao, em 9 de setembro de 1976, ainda que tenha assumido o cargo de presidente, por um breve período, o sucessor oficialmente indicado, Hua Guo Feng.

Conclusões importantes podem ser tiradas sobre o funcionamento das instituições chinesas dos episódios que se seguiram: a prisão de Jiang Qing e seus seguidores, em outubro de 1976, o afastamento do poder de Hua Guo Feng, o sucessor indicado por Mao,  e a tomada do poder por Deng Xiao Ping e seu vasto grupo de amigos, companheiros de ideais e fieis colaboradores.

Primeiramente, tendo todo o drama sucessório transcorrido interna corporis, restrito que se manteve ao âmbito do partido, e resultado numa guinada ideológica tão espetacular, sem qualquer participação popular, fica patente a imaturidade da legislação e das instituições chinesas, que – acomodada, durante milênios, a aceitar sucessões hereditárias, ou violentas, quando ocorria o colapso de uma dinastia – não  amadureceu o suficiente para estabelecer mecanismo sucessório pacífico não hereditário, deixando-o à mercê de uma indicação do “imperador” moribundo, de quem possui o melhor guanxi (rede de relacionamento, no caso, político) ou de quem guarda as algemas.

Em segundo lugar, não deixa de ser admirável que tenha ocorrido bem mais que uma reforma – pois se pode falar de uma verdadeira revolução ideológica e econômica na sociedade e no Estado, conduzida por Deng Xiao Ping –, de forma inteiramente incruenta (nem mesmo a sentença de morte da sanguinária Jiang Qing, inicialmente decidida, foi executada; presa e posteriormente libertada para tratamento de saúde, faleceu em 1991, em casa, com 77 anos, tendo, alegadamente, cometido suicídio) e pacífica, vencida a oposição interna no partido, sem que tenha sido provocada mais uma tragédia nacional.

Em terceiro lugar, da própria facilidade com que foram feitas as transformações na economia do país e da sua aceitação imediata e praticamente consensual por todos os agentes sociais, sem qualquer resistência armada organizada, brota como evidência impressionante a superficialidade da absorção da ideologia marxista-leninista em terras chinesas, e sua fácil rejeição como “corpo estranho”, seguindo o mesmo caminho das demais doutrinas vindas do Ocidente que por lá aportaram, como a cristã.

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E por enquanto é só. Te aguardo na próxima semana, com a continuação que irá tratar do avanço do capitalismo chinês na chamada Terceira República.

Grande abraço e tudo de bom!

Zái Jiàn! 

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Créditos e referências

Ilustrações e fotos creditadas na ordem em que aparecem no post.

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