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Soldado chinês montando guarda na Praça da Paz celestial em Pequim, tendo do fundo a imagem de Mao Tsé-tung

Ni hao!


Navegando por aí pela internet, procurando mais informações úteis  respeito da China para compartilhar aqui, me deparei com um texto do Tomaz Vicente de O. Freitas publicado nos cadernos ASLEGIS com o sugestivo título ZHONG GUÓ, O PAÍS CENTRAL: BREVE PANORAMA HISTÓRICO E INSTITUCIONAL.

O texto foi publicado na edição de número 42 e, apesar de ser do ano de 2011, ainda parece bastante atual, de modo que julgo que ele pode contribuir um pouco mais para entendermos esse país maluco chamado China.

Como é bastante extenso, julguei melhor dividi-lo em nove partes, a fim de tornar mais fácil sua leitura e assimilação. Deste modo, teremos os seguintes textos extraídos do trabalho de Freitas (entre parênteses, as respectivas datas de publicação):


Sendo assim, sem mais delongas, vamos ao texto original reproduzido a seguir: 

Introdução

O visitante que hoje chega ao coração político da China, e local de máxima significação cultural para o país, a praça Tian An Men, na capital Beijing, facilmente observa a existência de duas figuras humanas ali reverenciadas como “Pais da Pátria”: Confúcio 
e Mao Ze Dong.

Mao, líder nacional no século XX, personalidade histórica recente, vivíssima na memória do povo chinês, executou a obra ciclópica de conduzir a “refundação” do Estado chinês, como examinaremos brevemente a seguir. Nada a estranhar, portanto, na presença do corpo de Mao, em seu mausoléu, em plena Tian An Men.

Mais enigmática a presença da estátua de 
Confúcio no principal local público do país. Merece uma reflexão à parte, por seu significado mais profundo e menos evidente, ao menos aos olhos ocidentais menos habituados à observação da sociedade e do Estado chineses.


Quando a filosofia grega ainda vivia a era pré-socrática, Sócrates, Platão e Aristóteles ainda não haviam lançado as bases do que viria a ser a dimensão filosófica do pensamento ocidental, em torno de cinco séculos antes de Cristo, Confúcio – e seus seguidores, em especial Mêncio - estabelecia o fundamento ético e filosófico do Estado chinês, que, unificado três séculos depois, assim permanece até hoje.

A diferença que nos parece essencial entre a influência da filosofia política e da ética confucianas sobre a vida na China e a da filosofia grega sobre o pensamento ocidental, é que aquela impregnou hegemonicamente o modo de pensar a coisa pública e moldou a organização da sociedade e do Estado chineses nos últimos dois mil e quinhentos anos, mesmo convivendo com as doutrinas de cunho espiritual taoísta 
e budista, enquanto que a filosofia grega, de imensa importância para o Ocidente, somente foi recepcionada e absorvida no ambiente judaico-cristão mediante seu “batismo”, que - numa simplificação extrema, válida apenas para o objetivo a que aqui nos propomos -, foi “ministrado” em Platão por Paulo e Agostinho, e em Aristóteles, por Tomaz.

Ou seja, a atual ideologia democrática e liberal dos Estados ocidentais é uma resultante, tanto dos princípios filosóficos racionais gregos quanto da doutrina religiosa judaico-cristã, bem diversamente do que ocorre no Estado confuciano chinês, que jamais recebeu qualquer impacto significativo do cristianismo ou até mesmo do budismo ou do taoísmo 
– apesar de ter havido imperadores que professavam a fé budista.

De qualquer forma, “pura” - em suas diversas versões e interpretações posteriores, ressalvados leves traços de transcendentalismo budista que podem ser identificados na compilação de Zhu Xi (século 12) -, a filosofia confucionista conforma a mente do homem público chinês desde bem antes da era cristã.

O grande choque cultural recebido pela China, vindo do Ocidente, não foi assim provocado pelos ensinamentos de Cristo, que - até hoje – não empolgaram os chineses (a não ser algo em torno de 1 a 2% da população atual e, talvez, os adeptos do movimento Taiping, no século 19, entre 1850 e 1864, cuja doutrina, porém, de tão confusa e deturpada, não se pode considerar realmente cristã). Contrariamente, quem viria a galvanizar as energias do povo chinês seria outro judeu: Marx.

De fato, o marxismo, tomado por empréstimo ao Ocidente, com seu forte apelo ao coletivismo, tão arraigado na cultura chinesa, forneceu a "ponte" ideológica que permitiu à China vencer um dos períodos mais caóticos de sua história, e permanecer como Estado uno e coeso.

Para que se possa avaliar a tremenda magnitude multidimensional (histórica, política, econômica, militar e sociológica, especialmente cultural) do fenômeno único “Estado chinês contemporâneo” pode ser interessante estabelecer alguns paralelos históricos que, inevitavelmente hipotéticos, mesmo assim podem ser úteis a um exame mais isento de um tema sobre o qual muito se tem dito e escrito, porém com assombroso desconhecimento da realidade chinesa.

Assim, estabelecendo – com todas as ressalvas cabíveis – algumas comparações presumivelmente úteis, a existência atual do Estado chinês, uno, multiétnico e coeso, corresponde aproximadamente ao que seria a existência, ainda nos dias de hoje, de um império macedônio, conquistado três séculos antes de Cristo por Alexandre Magno 
- sob a tutela, em parte de sua vida, de Aristóteles -, subsistindo, indiviso, como segunda potência econômica mundial, e, tendo em destaque, na capital do império, representado em bronze “O Filósofo”, como personalidade central a ser acatada e reverenciada.

Ou quem sabe possa ser mais elucidativo imaginar a Roma dos césares - que de fato chegou a manter intercâmbio comercial com a mesmíssima China (basicamente mesmos território, capital, idioma, escrita, e, principalmente, mesmo fundamento filosófico-político) -, ainda hoje una e coesa, economicamente sólida, e o latim como língua nativa de um quinto da população mundial.

Um terceiro exemplo comparativo histórico-hipotético: imagine-se que o último faraó egípcio tivesse sido deposto (ou, oficialmente, abdicado) há exatos cem anos, em 12 de fevereiro de 1912, e sobrevivido até 1967. E mais: que após sua deposição e morte, o Estado egípcio se houvesse mantido íntegro, como em seus áureos dias, até hoje! Mutatis mutandis é precisamente o que vem a ocorrer com a China, cuja fase imperial encerrou-se oficialmente em 1912 e cujo último imperador, Pu Yi,
 viveu até 1967, sem que a China tenha perdido sua unidade, sua coesão e seu elevado status entre as nações.

Na verdade, a fundação de um Estado chinês unificado, ocorrida em 1949, foi, o desfecho menos provável - e mais favorável - de um período extremamente conturbado da história chinesa – um curto período, segundo a perspectiva chinesa -, em que o país viveu o que pode ser classificado como megatragédia nacional, ou uma inacreditável sucessão delas: espoliação desenfreada pelos países ocidentais (daí a expressão “negócio da China”, ou seja, negócio esperto no qual são obtidos lucros exorbitantes à custa da desgraça alheia), derrotas fragorosas em todas as diversas guerras que lhe foram movidas no período, humilhações degradantes, vício no consumo de ópio disseminado em toda a sociedade, dissolvendo-lhe a vontade e a capacidade de reação ante as crescentes agressões estrangeiras, guerras civis devastadoras com alto potencial de provocar a quebra da unidade nacional e, por fim, a ferida maior: a invasão japonesa, crudelíssima, da qual o ignominioso e tristemente famoso massacre de Nanjing é o evento mais representativo.

Difícil encontrarmos na história de qualquer povo uma sequência tão desastrosa de eventos concentrada em um período de pouco mais de cem anos. E mais difícil ainda ter seu país, enquanto Estado nacional, saído ileso dessa megatragédia.

À custa, é bem verdade, de sofrimentos indizíveis do povo e do sacrifício de milhões de vidas, operou-se, no entanto, o “milagre”, o inesperado fenômeno histórico: a China preservou praticamente intactos seu orgulho nacional, sua cultura, seu território e sua unidade nacional (exceção feita basicamente à “pedra no sapato”, Taiwan, ainda que esta tenha sido apenas “tardiamente” integrada ao império, no início do século 17).

Para coroar seu êxito histórico, o País Central ainda obteve a estabilidade econômica, conseguindo, já no final do século 20, dar um verdadeiro espetáculo de crescimento, um Da Yue Jin ou Grande Salto para Frente econômico, cultural e tecnológico, que a levou a converter-se, em 2010, no maior exportador mundial.

Autodenominando-se Zhong Guó, ou País Central (jamais “do Meio”, como se vê, com frequência, pessimamente traduzido), a China localiza-se na extremidade oriental do continente eurasiano – do qual a Europa constitui a extremidade ocidental –, tendo sempre ocupado no contexto regional (que, tenha-se bem presente, durante milênios afigurou-se mundial aos olhos asiáticos), uma posição histórica central – jamais “no meio”, ou intermediária –, sob todos os pontos de vista, especialmente econômico (graças à produção agrícola dos vales férteis de dois dos maiores rios da Ásia: Amarelo e Yang Tsé), tecnológico (tendo desenvolvido vários inventos e técnicas inovadoras), cultural (encontrando-se tantos traços culturais chineses, inclusive a escrita, em culturas periféricas, como a japonesa), político e militar, e também geográfico (Mongólia e Rússia/Sibéria, ao norte; Japão e Coreia, a nordeste; Filipinas, Vietnam, Laos e Mianmar, a sudeste; Índia, Butão e Nepal, ao sul; Paquistão, Tadjiquistão, Cazaquistão, Quirguistão e Afeganistão, a oeste).

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E por enquanto é só. Te aguardo na próxima semana, com a continuação que irá tratar do Estado imperial confuciano.  Imperdível!!!

Grande abraço e tudo de bom!

Zái Jiàn! 


Próximo texto


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Créditos e referências

Ilustrações e fotos creditadas na ordem em que aparecem no post.

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