I Ching, o Livro das Mutações - Livro Primeiro, Hexagrama 60: Chieh / Limitação
Esse texto faz parte da série a respeito do I Ching, o Livro das Mutações, que publicamos no blog quinzenalmente. A proposta é apresentar os textos sobre os 64 hexagramas publicados nos livros Primeiro e Terceiro do livro de Richard Wilhelm.
Para entender melhor o que é o I Ching, sugerimos dar uma olhada no post:
Para consultar o índice dos 64 hexagramas, basta acessar:
Cada hexagrama inclui:
- uma introdução geral, apresentando aspectos básicos do hexagrama;
- o nome do hexagrama (卦名 guàmíng), que por si só já é repleto de simbolismos;
- o texto, também chamado julgamento ou oráculo, que revela em linguagem simbólica o significado do hexagrama e possui poucas frases, tendo a ele sido adicionados comentários e interpretações ao longo dos séculos, a fim de ajudar o leitor a traduzir o ensinamento ancestral;
- a imagem ou símbolo, que apresenta uma mensagem adicional, com um modelo de conduta ou um conselho estratégico para lidar com a situação indicada pelo hexagrama; e
- os textos das linhas, em número de seis, indicam alternativas ou transformações possíveis das condições retratadas no hexagrama - lembrando que as linhas são contadas de baixo para cima, sendo a linha inferior a primeira.
E isso é basicamente tudo que você precisa saber para continuar. Boa leitura!
Livro Primeiro (o Texto), Hexagrama 60: Chieh / Limitação
O lago ocupa um espaço limitado. Quando recebe água demais, transborda. Por isso, deve-se por limites à água.
A imagem apresenta água abaixo e água acima, com o firmamento entre elas, servindo de limite. A palavra chinesa para limitação refere-se, na realidade, aos nós que dividem um talo de bambu.
Na vida diária, este termo significa a economia que fixa limites às despesas.
Em relação à esfera moral, ela representa os limites firmes que o homem superior impõe às suas ações, os limites da lealdade e do desinteresse.
Julgamento
LIMITAÇÃO. Sucesso. Não se deve perseverar ao se exercer uma limitação amarga.
Limitações são penosas, mas eficazes. Vivendo de modo econômico em épocas normais, o homem está preparado para os períodos de carência. Sendo comedido, ele evita humilhações.
Limitações são também indispensáveis para a ordenação das circunstâncias do mundo.
A natureza tem limites fixos para o verão e o inverno, para o dia e a noite, e são esses limites que dão sentido ao ano.
Do mesmo modo, a economia, ao fixar limites precisos para as despesas, garante a preservação dos bens, evitando que as pessoas sofram prejuízos.
Mas limitações devem ser aplicadas de forma equilibrada.
Se um homem tenta impor restrições muito amargas à sua própria natureza, isso lhe será prejudicial. Se ele exagera ao impor limites aos outros, eles se rebelarão.
Portanto, é necessário fixar limites até mesmo às limitações.
Imagem
Água sobre o lago: a imagem da LIMITAÇÃO. Assim, o homem superior cria número e medida, examina a natureza da virtude e da conduta correta.
O lago é limitado, a água, inesgotável. O lago só pode conter uma parcela restrita da quantidade indefinida de água existente no mundo. Nisso consiste sua particularidade.
Do mesmo modo, a vida humana adquire um significado quando o homem exerce um discernimento seletivo e estabelece limites.
Aqui, portanto, a questão será definir com clareza essas distinções, que são como que a espinha dorsal da moralidade.
Possibilidades ilimitadas não são próprias ao homem. Caso fossem disponíveis, levariam a vida humana a dissolver-se na indeterminação.
Para que o homem se fortaleça, sua vida necessita de limites impostos pelo dever e aceitos voluntariamente.
A pessoa humana só adquire relevância enquanto espírito livre, quando se impõe limites e determina de forma espontânea o seu dever.
Textos das linhas
Nove na primeira posição significa: não ir além da porta e do pátio não implica em culpa.
Muitas vezes, um homem gostaria de realizar algo, porém se vê diante de limitações intransponíveis. É necessário, então, que ele saiba discernir em que ponto deve parar.
Se ele compreende isso claramente e respeita os limites que lhe foram impostos, poderá reunir a energia necessária para agir com firmeza, quando chegar o momento adequado. Durante a preparação de coisas importantes, a discrição é indispensável.
Confúcio comentando essa linha disse:
Quando surge a desordem, as palavras são o primeiro degrau. Se o príncipe não é discreto, ele perde seu vassalo. Se o vassalo não é discreto, ele perde sua vida. Se aquilo que está ainda germinando não for tratado com discrição, seu desenvolvimento será prejudicado. Por isso o homem superior é cuidadoso ao manter silêncio e não vai além do que deve.
Nove na segunda posição significa: não ir além do portão e do pátio traz infortúnio.
Quando chega o momento de agir é necessário se proceder com rapidez. A água, num lago, primeiro se acumula sem transbordar, mas quando ele estiver cheio, sem dúvida encontrará uma saída.
O mesmo ocorre na vida humana. A hesitação é benéfica enquanto o momento de agir ainda não chegou e nociva se prossegue após ele ocorrer.
Uma vez que os obstáculos para a ação foram removidos e um homem, ansioso, ainda hesita, comete um erro que tende a provocar desastre, pois perde sua oportunidade.
Seis na terceira posição significa: aquele que não conhece limitação alguma terá motivo para lamentar-se. Nenhuma culpa.
Se um homem pensa apenas em prazeres e divertimentos, perde facilmente o sentido dos limites necessários.
Entregando-se à dissipação ele terá que sofrer as consequências, quando, então, lamentará seu infortúnio. Mas ele não deve procurar culpar os outros.
Só quando um homem reconhece que é responsável por seus próprios erros é que se torna capaz de aprender, com essas experiências dolorosas, a evitar novas faltas.
Seis na quarta posição significa: limitação satisfeita. Sucesso.
Toda limitação tem seu valor. Mas, nos casos em que requer um esforço constante, acarreta um gasto excessivo de energia.
Quando, porém, a limitação é algo natural (como por exemplo na tendência da água de fluir sempre e somente na direção dos declives), conduz necessariamente ao sucesso, porque neste caso há uma economia de energia.
A energia que, de outro modo, seria consumida num combate inútil com o seu objetivo, aqui é aplicada em benefício do que se está executando. O sucesso é, portanto, certo.
Nove na quinta posição significa: doce limitação traz boa fortuna. Ir adiante traz estima.
Para ser eficaz, a limitação deve ser aplicada da forma correta.
Se um homem procura impor restrições somente aos outros, enquanto ele próprio as evita, tais limitações tendem a causar ressentimentos e resistência.
Quando, ao contrário, um homem numa posição de comando começa por impor limitações a si mesmo, exige pouco de seus companheiros e realiza algo com recursos modestos, o resultado será boa fortuna.
Esse exemplo, onde quer que ocorra, propagará sua influência fazendo adeptos e seguidores. Por isso, tudo que se empreender terá sucesso.
Seis na sexta posição significa: limitação amarga. A perseverança traz infortúnio. O remorso desaparece.
Quando se impõem limitações demasiado severas, as pessoas não as suportam. Quanto mais se persistir nesse rigor, tanto pior, pois ao final uma reação é inevitável.
Do mesmo modo, o corpo torturado reagirá, vingando-se, quando submetido a um ascetismo excessivo.
Porém, ainda que essa severidade impiedosa não deva ser aplicada constante e regularmente, podem haver épocas nas quais esse seja o único meio de se evitar culpas e remorso.
Em tais situações, a intransigência em relação a si próprio é a única forma de salvar sua alma, que de outro modo sucumbiria à indecisão e à tentação.
Depois de tudo
E aqui alcançamos o final do texto sobre o hexagrama Chieh / Limitação, da primeira parte do livro I Ching, o Livro das Mutações.Caso tenha interesse, pode adquirir o livro clicando na imagem a seguir:
Para consultar o índice dos hexagramas, clique:
Próximo hexagrama:
Hexagrama anterior:
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Créditos e referências
Ilustrações e fotos creditadas na ordem em que aparecem no post.- Imagem do hexagrama - diretamente do livro I Ching, o Livro das Mutações.
- Bambus apontando para o céu azul - foto de Senda Utópica, encontrada no Flickr.
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