I Ching, o Livro das Mutações - Livro Primeiro, Hexagrama 52: Kên / A Quietude (Montanha)
Esse texto faz parte da série a respeito do I Ching, o Livro das Mutações, que publicamos no blog quinzenalmente. A proposta é apresentar os textos sobre os 64 hexagramas publicados nos livros Primeiro e Terceiro do livro de Richard Wilhelm.
Para entender melhor o que é o I Ching, sugerimos dar uma olhada no post:
Para consultar o índice dos 64 hexagramas, basta acessar:
Cada hexagrama inclui:
- uma introdução geral, apresentando aspectos básicos do hexagrama;
- o nome do hexagrama (卦名 guàmíng), que por si só já é repleto de simbolismos;
- o texto, também chamado julgamento ou oráculo, que revela em linguagem simbólica o significado do hexagrama e possui poucas frases, tendo a ele sido adicionados comentários e interpretações ao longo dos séculos, a fim de ajudar o leitor a traduzir o ensinamento ancestral;
- a imagem ou símbolo, que apresenta uma mensagem adicional, com um modelo de conduta ou um conselho estratégico para lidar com a situação indicada pelo hexagrama; e
- os textos das linhas, em número de seis, indicam alternativas ou transformações possíveis das condições retratadas no hexagrama - lembrando que as linhas são contadas de baixo para cima, sendo a linha inferior a primeira.
E isso é basicamente tudo que você precisa saber para continuar. Boa leitura!
Livro Primeiro (o Texto), Hexagrama 52: Kên / A Quietude (Montanha)
O símbolo desse hexagrama é a montanha, o filho mais moço do céu e da terra.O masculino está acima, pois essa é a tendência de sua natureza. O feminino está abaixo, na direção do seu movimento próprio.
Assim, faz-se o repouso, pois o movimento chegou a seu término natural. Quando aplicado ao homem, o tema do hexagrama consiste na busca da serenidade do coração.
É muito difícil acalmar o coração.
Enquanto o Budismo aspira à quietude através de uma extinção de todo movimento no Nirvana, o Livro das Mutações sustenta que a quietude é somente um estado de polaridade que tem como constante complemento o movimento.
Talvez as palavras do texto contenham indicações para a prática do yoga.
Julgamento
A QUIETUDE. Mantendo imóveis as costas, ele não mais sente seu corpo. Ele se dirige ao pátio e não vê sua gente. Nenhuma culpa.
A verdadeira quietude consiste em manter-se imóvel, quando chega o momento de se manter imóvel, e avançar, quando chega o momento de avançar.
Deste modo, o repouso e o movimento permanecem em harmonia com as exigências do tempo e a vida se ilumina. O hexagrama representa o fim e o começo de todo movimento.
As costas são mencionadas porque nelas se encontram todas as fibras nervosas mediadoras do movimento. Quando estes nervos dorsais são postos em repouso, é como se o eu, com suas inquietudes, desaparecesse.
Quando o homem alcança esta tranquilidade interior, pode se dirigir ao mundo externo e já não verá mais nele a luta e o tumulto dos seres individuais.
Tendo atingido a verdadeira paz, ele poderá, então, compreender as grandes leis do universo e agir em harmonia com elas. A ação que tem suas origens nesses níveis mais profundos não errará.
Imagem
Montanhas próximas umas das outras: a imagem da QUIETUDE. Assim, o homem superior não deixa seus pensamentos irem além da situação em que se encontra.
O coração pensa constantemente. Isso não se pode mudar.
Mas os movimentos do coração - isto é, os pensamentos - devem se limitar à situação de fato, ao contexto atual da vida. Todo pensar que transcende o momento apenas faz sofrer o coração.
Textos das linhas
Seis na primeira posição significa: mantendo imóveis os dedos do pé. Nenhuma culpa. É favorável uma constante perseverança.
Manter imóvel os dedos do pé significa deter-se, antes mesmo de começar a se mover. O começo é o momento em que se cometem poucos erros.
Ainda se está em harmonia com a inocência original. Vêem-se as coisas intuitivamente, tais como são, sem se deixar obscurecer por interesses e desejos.
Aquele que se detém ao começo, enquanto ainda não se afastou da verdade, encontra o caminho correto. Porém, é necessária uma constante firmeza que evite deixar-se levar pela irresolução.
Seis na segunda posição significa: mantendo imóveis as pernas. Ele não pode salvar aquele a quem segue. Seu coração não está alegre.
A perna não pode se mover independentemente. Ela depende do movimento do corpo. Se o corpo está em vigoroso movimento e a perna, súbito, se detém, o impulso do corpo provoca a queda.
O mesmo ocorre com o homem que segue alguém de personalidade mais forte que a sua; ele é arrastado. Mesmo quando consegue se deter, percebendo que segue um caminho errôneo, não poderá reter o outro em seu vigoroso movimento.
Quando o dirigente força o avanço, seu subalterno, por melhores que sejam suas intenções, não poderá salvá-lo.
Nove na terceira posição significa: mantendo imóvel o quadril. Rigidez na região do osso sacro. Perigo. O coração sufoca.
Isso se refere a uma tranquilidade forçada. Procura-se dominar a agitação do coração por meio da violência.
Porém, o fogo, ao ser abafado, transforma-se numa fumaça acre que vai asfixiando à medida que se espalha.
Do mesmo modo, em exercícios de meditação e concentração não se deve procurar forçar resultados. Ao contrário, a quietude deve surgir espontaneamente, a partir de um recolhimento interior.
Caso se procure impor a tranquilidade através de uma rigidez artificial, a meditação poderá causar grandes perturbações.
Seis na quarta posição significa: mantendo imóvel o tronco. Nenhuma culpa.
Como foi indicado no comentário do julgamento, manter em repouso as costas significa esquecer o eu. A quietude chega, então, à sua culminância.
Aqui, esse estágio ainda não foi alcançado. Apesar de se ter conseguido acalmar o eu, com seus pensamentos e impulsos, não se está totalmente livre de seu domínio.
Porém, ainda assim a quietude do coração é uma função importante e, com o tempo, conduz à completa eliminação dos impulsos egotistas.
Apesar de o homem não se ter libertado dos perigos da dúvida e da inquietude, esse estado de ânimo não é um erro, pois conduz, ao final, a um nível mais elevado.
Seis na quinta posição significa: mantendo imóveis as mandíbulas. As palavras estão em ordem. O arrependimento desaparece.
Quando um homem se encontra numa situação perigosa para a qual não está preparado, tende muitas vezes a falar em excesso e se permitir brincadeiras inoportunas.
Mas descuidos de linguagem conduzem, muitas vezes, a situações que mais tarde poderão ser motivo para arrependimento.
No entanto, quando se é discreto ao falar, as palavras vão adquirindo uma precisão cada vez maior e desaparecem, então, todos os motivos de arrependimento.
Nove na sexta posição significa: quietude magnânima. Boa fortuna!
O esforço em busca da quietude atinge sua meta. A tranquilidade aqui alcançada não se restringe a detalhes ou circunstâncias específicas.
Há, isto sim, uma resignação em relação ao mundo como um todo, que traz paz e boa fortuna a todos os aspectos particulares da existência.
Depois de tudo
E aqui alcançamos o final do texto sobre o hexagrama Kên / A Quietude (Montanha), da primeira parte do livro I Ching, o Livro das Mutações.Caso tenha interesse, pode adquirir o livro clicando na imagem a seguir:
Para consultar o índice dos hexagramas, clique:
Próximo hexagrama:
Hexagrama anterior:
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Créditos e referências
Ilustrações e fotos creditadas na ordem em que aparecem no post.- Imagem do hexagrama - diretamente do livro I Ching, o Livro das Mutações.
- Mulher em posição de ioga, com as mãos postas nas costas, tendo uma pulseira em cada braço - foto de Rob Bertholf, encontrada no Flickr.
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