I Ching, o Livro das Mutações - Livro Primeiro, Hexagrama 50: Ting / O Caldeirão
Esse texto faz parte da série a respeito do I Ching, o Livro das Mutações, que publicamos no blog quinzenalmente. A proposta é apresentar os textos sobre os 64 hexagramas publicados nos livros Primeiro e Terceiro do livro de Richard Wilhelm.
Para entender melhor o que é o I Ching, sugerimos dar uma olhada no post:
Para consultar o índice dos 64 hexagramas, basta acessar:
Cada hexagrama inclui:
- uma introdução geral, apresentando aspectos básicos do hexagrama;
- o nome do hexagrama (卦名 guàmíng), que por si só já é repleto de simbolismos;
- o texto, também chamado julgamento ou oráculo, que revela em linguagem simbólica o significado do hexagrama e possui poucas frases, tendo a ele sido adicionados comentários e interpretações ao longo dos séculos, a fim de ajudar o leitor a traduzir o ensinamento ancestral;
- a imagem ou símbolo, que apresenta uma mensagem adicional, com um modelo de conduta ou um conselho estratégico para lidar com a situação indicada pelo hexagrama; e
- os textos das linhas, em número de seis, indicam alternativas ou transformações possíveis das condições retratadas no hexagrama - lembrando que as linhas são contadas de baixo para cima, sendo a linha inferior a primeira.
E isso é basicamente tudo que você precisa saber para continuar. Boa leitura!
Livro Primeiro (o Texto), Hexagrama 50: Ting / O Caldeirão
As linhas que compõem este hexagrama formam a imagem do caldeirão; abaixo, estão as pernas sobre as quais está o bojo, em seguida, as alças e, acima, as argolas usadas para carregá-lo.
Esta imagem sugere também a idéia da alimentação. O caldeirão de bronze era o utensílio que continha os alimentos cozidos no templo dos ancestrais e nos banquetes.
Cabia ao anfitrião servir os alimentos do TING nas tigelas dos convidados. O hexagrama 48, O POÇO, também simboliza, ainda que num sentido secundário, a distribuição de alimento, porém, mais para o povo.
O Ting, enquanto um utensílio pertencente a uma civilização refinada, sugere o cuidado e a alimentação dos homens capazes, o que resulta em benefício da nação - os quatro hexagramas que se referem à alimentação são:
- Hexagrama 5: Hsu / A Espera (Nutrição);
- Hexagrama 27: I / As Bordas da Boca (Prover Alimento);
- Hexagrama 48: Ching / O Poço; e
- Hexagrama 50: Ting / O Caldeirão (este sobre o qual você lê agora).
Este hexagrama e o POÇO são os dois únicos no Livro das Mutações que representam objetos concretos feitos pelo homem.
Mas aqui, também, a ideia possui ao mesmo tempo uma conotação abstrata. Sun, abaixo, é madeira e vento; Li, acima, é a chama.
Reunidos, os trigramas representam a chama alimentada pela madeira e pelo vento, o que também sugere a idéia da preparação de alimentos.
Julgamento
O CALDEIRÃO. Suprema boa fortuna. Sucesso.
O hexagrama O POÇO refere-se aos fundamentos sociais da vida em comunidade, os quais se assemelham à água que alimenta a madeira.
O CALDEIRÃO representa a superestrutura cultural da sociedade. Aqui, é a madeira que serve de combustível à chama, ao espírito.
Tudo o que é visível deve se expandir para além de si mesmo, até penetrar no âmbito do invisível. Desse modo, alcança sua verdadeira consagração e clareza, enraizando-se firmemente na ordem cósmica.
Aqui, a cultura atinge sua culminância na religião. O Ting serve para a oferenda de sacrifícios à divindade. Os mais elevados valores terrenos devem ser oferecidos em sacrifício à divindade.
Mas o verdadeiro divino não se manifesta separado do humano. A suprema revelação da divindade encontra-se nos profetas e nos santos. Venerá-los é, na verdade, venerar à divindade.
Os desígnios da divindade manifestados através deles devem ser aceitos com humildade. Assim, o homem descobre uma luz interior e pode, enfim, compreender o mundo.
Isso traz grande boa fortuna e sucesso.
Imagem
O fogo sobre a madeira: a imagem do CALDEIRÃO. Assim o homem superior, corrigindo sua posição, consolida seu destino.
O destino do fogo depende da madeira; enquanto houver madeira abaixo, o fogo arderá acima.
O mesmo ocorre na vida humana. No homem, também há um destino que dá força à sua vida e que se consolida quando o homem consegue posicionar corretamente a vida e o destino, harmonizando-os.
Essas palavras contêm referências ao cultivo da vida tal como era transmitido pela tradição oral dos ensinamentos secretos do yoga chinês.
Textos das linhas
Seis na primeira posição significa: um Ting com os pés para o alto, emborcado. É favorável remover o conteúdo estagnado. Uma concubina é aceita em virtude de seu filho. Nenhuma culpa.
Não é um erro virar o Ting antes de utilizá-lo; ao contrário, deste modo, removem-se os refugos. A posição de uma concubina é inferior, mas, em virtude de seu filho, ela é respeitada.
Estas duas metáforas expressam a idéia de que, numa cultura muito desenvolvida como a indicada neste hexagrama, toda pessoa de boa vontade pode, de alguma forma, ter êxito. Por mais humilde que seja sua posição, desde que esteja disposta a purificar-se, ela será aceita.
Alcançará, então, uma posição em que seu trabalho se mostrará fecundo e ela encontrará, por isso, reconhecimento.
Nove na segunda posição significa: há alimento no Ting. Meus companheiros têm inveja, mas nada podem contra mim. Boa fortuna.
Em épocas de grande desenvolvimento cultural, é da máxima importância que se realize uma obra significativa.
Se um homem se dedica inteiramente a uma obra dessa natureza, ainda que venha a ser objeto de inveja e má vontade, não correrá perigo.
Quanto mais ele se limitar às suas positivas tarefas, tanto menos lhe poderão afetar os invejosos.
Nove na terceira posição significa: a alça do Ting está alterada. Ele é impedido em suas atitudes. A gordura do faisão não é comida. Quando a chuva cair, o remorso desaparecerá. A boa fortuna virá ao final.
A alça é o meio pelo qual se levanta o Ting.
Se a alça está alterada, o Ting não pode ser erguido nem usado e os deliciosos alimentos que nele se encontram, como a gordura do faisão, infelizmente se desperdiçam.
Isso descreve alguém que, em meio a uma cultura muito desenvolvida, encontra-se numa posição em que não é notado nem reconhecido. Isso é um grande obstáculo à sua atuação.
Todas as suas boas qualidades e dons espirituais são assim desperdiçados. Mas o que realmente lhe deve importar é a posse de tais riquezas espirituais, pois, então, cedo ou tarde virá o momento em que os obstáculos desaparecerão e tudo correrá bem.
Assim, como em outras passagens, a queda da chuva simboliza aqui o alívio de tensões.
Nove na quarta posição significa: o Ting com as pernas quebradas. A refeição do príncipe é derramada e nódoas recaem sobre sua pessoa. Infortúnio.
Um homem tem diante de si uma tarefa difícil e de responsabilidade, para a qual não está preparado.
Como, além disso, ele não se empenha de todo no que faz e permanece na companhia de homens inferiores, acaba por fracassar na execução dessa tarefa. Deste modo, se expõe a críticas e desonra.
Confúcio comenta a respeito dessa linha:
Caráter fraco numa posição de destaque, pouco saber com grandes planos, força diminuta aliada à grande responsabilidade, raramente escaparão ao infortúnio.
Seis na quinta posição significa: o Ting tem alças amarelas e argolas de ouro. A perseverança é favorável.
Aqui, numa posição de direção, há um homem que, por natureza, é acessível e modesto.
Graças a essas qualidades ele consegue reunir auxiliares fortes e competentes que o complementam e ajudam em sua obra.
Essa atitude requer uma constante abnegação, sendo, por isso, importante não se deixar desviar, mantendo-se firme e perseverante.
Nove na sexta posição significa: o Ting tem argolas de jade. Grande boa fortuna! Nada que não seja favorável.
Na linha precedente, menciona-se argolas de ouro para ressaltar sua força. Aqui, elas são de jade. O jade une à dureza um brilho suave.
Para aquele que for receptivo, esse conselho poderá ser um poderoso estímulo.
O texto aqui se refere ao sábio que aconselha. Ao fazê-lo, ele deve ser suave e puro, como o jade precioso.
Assim, seu trabalho merecerá as bênçãos da divindade, que garantirá a boa fortuna, será um motivo de alegria para os homens e, portanto, tudo irá bem.
Depois de tudo
E aqui alcançamos o final do texto sobre o hexagrama Ting / O Caldeirão, da primeira parte do livro I Ching, o Livro das Mutações.Caso tenha interesse, pode adquirir o livro clicando na imagem a seguir:
Para consultar o índice dos hexagramas, clique:
Próximo hexagrama:
Hexagrama anterior:
- 49. Ko / Revolução
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Créditos e referências
Ilustrações e fotos creditadas na ordem em que aparecem no post.- Imagem do hexagrama - diretamente do livro I Ching, o Livro das Mutações.
- Indianos esperam um caldeirão de curry em algum lugar da Índia - foto de Terry Feuerborn, encontrada no Flickr.
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