Os 36 estratagemas: o manual quase secreto da guerra
Ali mais ou menos pelo início de abril deste ano, publiquei um post sobre planejamento estratégico, lembra?
Lá expliquei que o assunto, em minha visão, tem tudo a ver com a ideia central do livro A Arte da Guerra, de Sun Tzu: inteligência.
Acontece que, ao longo de minhas pesquisas para entender melhor a China do período em que o livro teria sido escrito, acabei descobrindo que a obra não é nem o único nem o mais antigo livro de estratégia militar escrito pelos chineses.
Existe, por exemplo, um conjunto de livros conhecidos como Sete Clássicos Militares da China Antiga, dos quais pelo menos um tem suas origens em um período histórico bastante anterior ao de Sun Tzu.
Além deles, tem também um livro bem mais recente, e descoberto há não muito tempo, que já tem a palavra "estratégia" no próprio título: 36 Estratagemas (ou Estratégias mesmo, a depender da fonte de consulta).
Obviamente, você já percebeu, é sobre ele que discorrerei aqui neste post.
Vem comigo!
Desvendando alguns segredos
Antes de entrar nos entretantos, vale destacar que, pelo menos no Brasil, o livro tem um subtítulo que vai parecer familiar: A Arte Secreta da Guerra.E acho que dá pra sacar que isso não é mera coincidência, né? Pois é.
Outra "não mera coincidência": o livro é um apanhado de táticas e truques para vencer o inimigo, especialmente por meio de uma das ideias mais destacadas na obra de Sun Tzu: o engodo.
Não acredita? Segue o jogo e você vai ver. Mas antes, vamos conhecer algumas informações sobre a obra.
A primeira delas vem do site Taoismo, onde somos informados que Harro Von Senger, sinólogo suíço, atribui o número 36 ao simbolismo das linhas Yin do I Ching.
O mesmo site acrescenta que as palavras recusa, retração e obscuridade (relacionadas às linhas em questão) formariam uma boa descrição das técnicas de estratégia do livro, exatamente por estarem associadas ao já citado engodo.
Essa relação dos 36 Estratagemas com o famoso Livro das Mutações é também corroborada pela resenha do livro que encontramos no site da Folha:
Vale lembrar que, para a filosofia milenar chinesa, o número 36 é simbólico. Para compreender seu significado e todas as suas implicações filosóficas, é preciso retornar à estrutura de outro texto clássico chinês, o Livro das Mutações ou I Ching, também considerado o oráculo.
É a Folha também que informa sobre a origem e descoberta do livro:
De um autor anônimo chinês, acredita-se que ele tenha sido escrito em meio às sociedades secretas antimanchus que floresceram durante o fim da dinastia Ming e início da dinastia Qing. "Os 36 estratagemas - manual secreto da arte da guerra" (Landy), teria sido descoberto em 1941, em uma livraria de Shanxi, na China, após um longo eclipse.
Shanxi, no caso, é uma província situada ao norte da China. A Dinastia Ming é aquela famosa que governou a China entre 1368 e 1644 - mas você já sabia disso, né?
Ainda segundo a Folha, os 36 Estratagemas passaram muitos anos sem chamar a atenção do público, até que o jornal do Partido Comunista chinês, o Guangming Ribao, reconheceu o opúsculo como de interesse estratégico.
Isso, depois de o departamento de arquivos do exército chinês – vulgo Exército de Libertação Popular – ter publicado a obra para uso interno.
O ano de 1962 já brilhava no horizonte e haviam-se passado, então, 21 invernos desde a descoberta do livro.
Os autores, os séculos e uma licença poética
Considerando o que já sabemos sobre outros livros chineses - incluindo aqui A Arte da Guerra de Sun Tzu e Os Analetos de Confúcio -, faz muito sentido a afirmação do professor Marins, de que o livro
não é um uma obra de um só autor em particular. Ele foi escrito ao longo do tempo por diferentes pessoas: especialistas em tática militar, comerciantes, filósofos, escritores e pessoas comuns.
Faz sentido também quando confrontamos com a visão do orientalista francês Jean Levi, citado pelo texto da Folha.
Segundo ele, o livro é uma “combinação de provérbios, que trazem mensagens enigmáticas e explicações sobre seus significados”, mas que
representam apenas uma ínfima parte de uma obra ainda maior, pois muitas vezes os autores, intérpretes, compiladores substituíam ilustrações históricas do comentário antigo por outras de sua lavra.
Aliás, interpretando com a devida licença poética os argumentos de ambos, eu diria que os 36 Estratagemas foram aperfeiçoados ao longo do tempo, à medida em que se iam observando e registrando estratégias - vencedoras ou não - relacionadas às guerras, golpes de Estado (ops!), intrigas e toda sorte de ações relacionadas à busca pelo poder.
Por conta disso, diria o professor,
qualquer pessoa pode usá-lo para entender a história, política, negócios e relações humanas. Oferece conselhos práticos para qualquer situação: vendas, tecnologia, táticas, pessoas etc. Quando você domina estas 36 estratégias, estará preparado para encontrar soluções a qualquer tipo de problema e será capaz de adaptar-se a toda classe de circunstâncias. Por isso dizem que quando você as domina você dominou a Arte da Estratégia.
Talvez algumas coisas aí sejam meio exageradas, vai saber... Só lendo mesmo para ter certeza, não é?
Os seis temas e os 36 estratagemas
De qualquer modo, antes de você partir para comprar o livro, vamos pincelar rapidamente seu conteúdo, que trata, como você já percebeu, basicamente de estratégias militares e de governo.A obra está dividida em seis grandes temas que reúnem, cada um, seis estratagemas.
Cada grande tema está relacionado a uma condição geral em que determinada pessoa ou organização militar/Estatal poderá se encontrar, em uma situação de conflito.
Os seis grandes temas são:
- Superioridade e Domínio
- Igualdade e Busca do Desequilíbrio
- Ataque e Economia de Esforços
- Confusão e Busca de Equilíbrio
- Engodo e Busca de Vantagem
- Perigo e Sobrevivência
A seguir estão relacionados os 36 Estratagemas, agrupados em seus respectivos temas.
Não vou entrar no detalhe de cada um para não deixar esse post muito maior do que já está. Mas certamente pretendo fazer novas publicações para aprofundar nossos conhecimentos.
A ideia é fazer mais seis textos, ainda sem previsão de data (talvez para 2017) - um texto para cada seis estratagemas.
Enquanto isso, a lista abaixo deve:
- Facilitar sua consulta ou pesquisa ou análise sobre o assunto;
- Organizar um sumário para os posts de que falei ali em cima.
Vale dar uma espiada e depois ver o que a gente conclui disso tudo aí - sim, tem uma conclusão lá no finalzinho.
Dica: também tem a ver com A Arte da Guerra, de você-sabe-quem.
Superioridade e Domínio (ou, No Domínio da Superioridade)
- Enganar o céu para cruzar o oceano.
- Cercar Wei para salvar Zhao.
- Matar com uma faca [ou espada] emprestada.
- Fazer seu inimigo trabalhar enquanto você espera no ócio.
- Roubar a casa em chamas.
- Clamor ao leste e ataque ao oeste.
Igualdade e Busca do Desequilíbrio (ou, Quando em Confronto)
- Criar algo do nada.
- Secretamente usar a passagem de Chen Chang.
- Observar o fogo que queima do outro lado do rio.
- Esconder a faca atrás de um sorriso.
- Deixar morrer a ameixeira em favor do pessegueiro.
- Aproveitar a oportunidade para roubar uma cabra.
Ataque e Economia de Esforços (ou, Quando em Ataque)
- Bater na grama para perturbar a cobra.
- Levantar um cadáver dentre os mortos.
- Fazer o tigre descer a montanha.
- Para pegar é preciso largar.
- Usar um tijolo para pegar a peça de jade.
- Para pegar os bandidos, pegar seu chefe.
Confusão e Busca de Equilíbrio (ou, Quando em Situação de Confusão)
- Remover a lenha debaixo do caldeirão.
- Pescar em águas turbulentas.
- Desprender-se da casca da cigarra.
- Fechar a porta para pegar o ladrão.
- Aliar-se a um reino distante para atacar um vizinho.
- Obter um caminho seguro para atacar o Reino do Meio.
Decepção e Busca de Vantagem (ou, Quando se quer Ganhar Terreno)
- Trocar vigas e pilares por madeiramento podre.
- Matar o frango para assustar o macaco.
- Fingir ser o porco para comer o tigre.
- Remover a escada após ter subido.
- Cobrir a árvore com uma falsa florada.
- Fazer o anfitrião e o convidado trocarem de lugar.
Perigo e Sobrevivência
- A armadilha da beleza.
- A cidade vazia.
- Deixe o espião inimigo semear a discórdia em seu próprio campo.
- Infringir dano a si mesmo para ganhar a confiança do inimigo.
- Encadear juntos os barcos inimigos.
- Retirar-se.
Conclusão
Esse foi só um aperitivo a respeito de mais uma obra chinesa que tem sido aplicada na atualidade em atividades tão diversas quanto a psicologia, a política, a diplomacia, as relações humanas, a gestão e até mesmo a jogos de tabuleiro .
Aliás, falando em aplicação na atualidade, é interessante destacar as referências possíveis com o outro livro que conhecemos e que é a vedete do pensamento estratégico chinês aplicado nos dias de hoje.
Sim, estou a falar do que você acha que estou a falar: A Arte da Guerra de Sun Tzu.
Mesmo sem entrar nos detalhes de cada estratagema que listamos acima, dá pra notar claramente como diversos deles possuem pelo menos uma afinidade com vários conceitos e passagens de seu primo xingling:
- Matar com uma faca emprestada
- Fazer seu inimigo trabalhar enquanto você espera no ócio
- Clamor ao leste e ataque ao oeste
- Esconder a faca atrás de um sorriso
- Aliar-se a um reino distante para atacar um vizinho
- Deixe o espião inimigo semear a discórdia em seu próprio campo
Quando eu começar a publicar os posts individuais sobre os temas e estratagemas, brincaremos melhor com essa afinidade.
Pode crer.
Por enquanto, não confunda os 36 Estratagemas chineses com os 38 Estratagemas da filosofia de Schopenhauer, beba bastante água, faça atividades físicas regulares e continue acompanhando nosso blog.
Até mais e obrigado por todos os peixes.
Créditos e referências
- Pedras na praia - Foto de SonnyandSandy, obtida no Flickr.
- Tinta e penas poéticas - Foto de Charles Stanford, obtida no Flickr.
- Casa em chamas - Fotomontagem de Fábio Biff, obtida no Flickr.
- Madeira podre - Foto de Carlos Ramalhete, obtida no Flickr.
- Barco atracado - Foto do UNC Sea Grant College Program, obtida no Flickr.
Legal
ResponderExcluirValeu!
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