Yanzi, a carona na cauda do cometa e o elogio de Confúcio
Não esgotar o pano e a seda, pois você sentirá falta de roupas; não esgotar o gado, pois você sentirá falta de trabalho. Não esgotar os homens dignos, pois o governo não poderá ser cuidado; não esgotar os recursos do Estado, pois o Estado não poderá fornecer para o seu povo.
Yanzi
No dia em que concluo esta série de posts sobre Yanzi, em 14/09/2015, o governo brasileiro anunciou uma série de medidas para cobrir o rombo nas contas públicas.
Não sei se serão/foram efetivamente implementadas, mas acho que não preciso concluir a linha de raciocínio, não é mesmo?
Digo, leia a frase acima do Yanzi e reflita no que estou querendo dizer. Refletiu? Então, por essa e outras ele foi considerado uma das sumidades de sua época.
Sabendo disso, continuemos com sua história, que chega a 515 AEC, ano do cachorro de fogo no horóscopo do calendário chinês.
Na ocasião, aparece um cometa e o duque Jing ordena que se faça um sacrifício deprecatório, mas Yanzi não curte a ideia e avisa:
Não terá serventia alguma. Você tão somente alimentará uma ilusão. Não existe incerteza nos caminhos dos Céus, que não hesitam em seus propósitos. Por que você deveria oferecer um sacrifício deprecatório? Além disso, há um cometa no céu para que se remova a sujeira. Caso sua senhoria não tenha nada sobre sua conduta que possa assim ser descrita, o que tem você para suplicar? Caso você tenha, o que será diminuído por sua súplica? Diz a ode:Mais uma vez, Jing ficou satisfeito com o que ouviu de Yanzi e não realizou o sacrifício. Pouco tempo depois, temos a última referência a Yanzi nos Anais da Primavera e Outono.
"Então esse rei Wen,
Vigilante e reverente,
Prestou um brilhante serviço aos deuses.
Portanto, lhe foi assegurada grande bênção.
Sua Virtude não tinha máculas,
E ele recebeu a fidelidade das províncias de todos os cantos."
Que sua senhoria não faça nada contrário à Virtude e de todos os cantos as províncias virão a ti. Por que você deveria se importar com um cometa? Diz a ode:
"Eu não tenho nenhuma baliza para olhar,
Se não os soberanos de Xia e Shang.
Foi por causa de seus distúrbios
Que as pessoas se afastaram deles."
Se a conduta for maléfica e desordenada, certamente o povo se afastará e nada do que sacerdotes e historiógrafos possam fazer vai reparar o mal.
Visão de futuro
Anda estamos em 515 AEC e o duque Jing faz um comentário sobre o quão bela era sua câmara cerimonial. Na sequência, pergunta quem a possuirá doravante.Yanzi não entende (ou finge que) e pergunta o que ele estava querendo dizer. O duque responde que sua suposição é de que a posse futura da câmara dependerá da Virtude dos homens.
Pelo que sua senhoria diz, a posse recairá sobre o chefe da família Tian. Apesar de a família não ter uma grande virtude, eles dão recompensas ao povo. O dou, o ou, o fu e o zhong, com os quais eles recebem seus pagamentos da província são pequenos, mas essas mesmas medidas, ao serem usadas para dar ao povo, são engrandecidas. As cobranças de sua senhoria são grandes e também o são as ações beneficentes dos Tian, de tal modo que as pessoas estão dando seus afetos a essa família. Diz a ode:
"Embora eu não tenha nenhuma virtude para conceder a você,
Vamos cantar e dançar."
As recompensas da família Tian para o povo estão os fazendo cantar e dançar. A partir de agora, se qualquer um dos seus descendentes for um tanto negligente e a família Tian não desaparecer, a província vai pertencer a eles.
Pra variar, Jing gostou das palavras de Yanzi. Tanto que perguntou o que deveria ser feito. A resposta foi objetiva dessa vez:
Apenas a atenção às regras do decoro pode parar o progresso desses eventos. Por essas regras, as recompensas de uma família não podem se estender a toda a província. Filhos não devem se dedicar a ofícios diversos dos de seus pais: criação, alguma arte mecânica ou comércio. Oficiais inferiores não devem ser negligentes. Oficiais de nível mais elevado não devem ser insolentes. Altos oficiais não devem tomar para si os privilégios do soberano.
Jing continuou a curtir a prosa e comentou:
Bom! Eu não sou capaz de me ater a isso. Doravante, no entanto, eu sei como uma província pode ser regida pelas regras do decoro.
Yanzi não se conteve e explicou:
Há muito tempo essas regras possuíram tal Virtude. A sua origem foi contemporânea à do Céu e da Terra. Que o regente ordene e o súdito obedeça, o pai seja bondoso e o filho diligente, o irmão mais velho amoroso e o mais jovem respeitoso, o marido harmonioso e a esposa gentil, a sogra bondosa e a nora obediente. Essas coisas fazem parte do decoro. Que o soberano, ao ordenar, nada ordene contrário ao que é correto e o súdito obedeça sem qualquer duplicidade; que o pai seja bondoso e ao mesmo tempo reverente e o filho, obediente e ao mesmo tempo capaz de protestar; que o irmão mais velho, enquanto amoroso, seja amigável e mais jovem, dócil, enquanto respeitoso; que o marido seja justo, enquanto harmonioso e a esposa, correta, enquanto gentil; que a sogra seja condescendente, enquanto bondosa e a nora, vencedora, enquanto obediente. Essas são excelentes coisas que fazem parte do decoro.
Uma vez mais, o duque achou bom o que ouviu e teceu outro comentário:
Bom! Doravante, eu ouvi o mais alto estilo de decoro.
Yanzi concluiu:
Foi o que os antigos reis receberam do Céu e da Terra para o governo de seu povo e, portanto, eles o posicionaram no lugar mais alto.
E estas são as últimas palavras de Yanzi nos Anais. É importante ressaltar que essa aparição em 515 AEC acontece depois dos eventos que serão retratados em meu livro e que se iniciam em 516 AEC.
Por alguma razão que não sei dizer, os Anais não fazem referência a ele em nenhum desses eventos.
Talvez a guerra não fosse muito a praia dele, mas mesmo assim acho estranho, dada sua importância histórica.
Depois dos entretantos
Para finalizar, vale a pena complementarmos o que já foi escrito com as informações a seguir.Em primeiro lugar, durante o período dos Reinos Combatentes (mais ou menos 475 a 221 AEC), foi publicado um livro chamado Anais de Yanzi, com histórias de seus conselhos ao duque de Qi (provavelmente Jing), bem como de sua vida e época.
Me dei o trabalho de pesquisar na internet, mas não achei a obra em um idioma que eu minimamente pudesse entender (se você tiver algum exemplar em inglês ou espanhol, me avisa).
Também um capítulo do Registro do Grande Escriba (ou Historiador), de Sima Qian, é dedicado a ele.
De fato, Qian demonstra sua estima por Yanzi ao colocá-lo no mesmo capítulo que Guan Zhong, outro influente ministro da província de Qi (ele não apareceu no blog até agora porque viveu muitos anos antes do período retratado: de 720 a 645 AEC).
Inclusive, um dos comentários de Sima Qian a seu respeito destaca umas duas qualidades suas:
Nunca se envergonhando de suas missões, destacou-se em debates através do mundo.
O próprio Confúcio também foi admirador de Yanzi e chegou a comentar a seu respeito:
Acudir as pessoas comuns e não se gabar, aconselhar três regentes e não ser arrogante... Yanzi é verdadeiramente um cavalheiro.
Cinco anos após a última data em que ele foi referenciado nos Anais da Primavera e Outono, lhe atinge uma última e fatal enfermidade.
Antes de morrer, no entanto, fez com que uma carta fosse selada em um buraco escavado num pilar e pediu que sua esposa a lesse quando seu filho estivesse crescido.
Eram exatamente as palavras que abrem este post. Zibo, atual província de Shandong, foi o local escolhido pelo destino para abrigar os restos mortais do mestre Yan.
Grande abraço e Zài Jiàn!
Créditos e referências
- As informações acima são baseadas em três fontes:
- no texto comentado dos Anais da Primavera e Outono, referente ao às regências dos duques Xiang e Zhao (da província de Lu) disponível no site do Instituto para Tecnologias Avançadas em Humanidades (IATH), da Universidade de Virgínia.
- Nas páginas a respeito de Qi e Yanzi no site China Knowledge.
- O artigo sobre Yanzi disponível na Wikipédia (em inglês).
- A imagem do cometa Hale-bopp foi encontrada no site Estação Criança do Planetário do Rio de Janeiro, sem indicação de autoria.
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