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Yanzi, o ministro longevo e metido a vidente

Ilustração de uma cigana de longos cabelos negros segurando uma carta de baralho.

O roteirista e dramaturgo Kevin Hood cunhou uma frase que se traduz mais ou menos assim:

um livro deve mostrar como realmente o mundo é, como pensam genuinamente as personagens, como as coisas acontecem de fato. Um livro deve de alguma forma revelar a verdadeira fonte de nossas ações.

Se ele está certo ou não, pode até ser discutível, mas em uma coisa acho que eu e você podemos concordar: escrever uma boa história é difícil pacas!

E uma das complicações está exatamente na construção das personagens.

Às vezes até me pergunto por que alguém em sã consciência resolveria fazer uma loucura dessas.

E ainda assim eu continuo e, em algum momento, sei que vou terminar este livro, tão somente para começar outro e voltar a pirar o cabeção.

Como isso não é problema seu, vamos lá conhecer mais uma personagem da história.

Depois de escrevemos sobre a família de Sun Tzu, os duques Jing e Zhao, soberanos de Qi e de Lu respectivamente, e ainda um altíssimo figurão de Lu chamado Pingzi, chegou a vez de conheceremos ninguém menos que Yanzi. Como assim você não sabe quem ele é?

Não tá acompanhando o blog, não?

Colher de chá

Ok, vou dar uma colher de chá, começando pelos nomes.

Seu nome pessoal era Yan Zhong e o honorífico (póstumo), Ping, de modo que nos textos antigos era frequentemente chamado de Yan Pingzhong.

Também conhecido como Yan Ying, doravante neste post tão somente assim o chamaremos Yanzi, que era, digamos, seu nome de guerra.

Nasceu em 580 AEC (ano da cobra de metal no antigo calendário chinês) e, ao longo de sua vida, tornou-se alto ministro na província de Qi, posto herdado de seu pai Yan Ruo (Huanzi) em 556 AEC.

Desde então, serviu a 3 soberanos, até sua morte em 510 AEC e ganhou fama por sua austeridade no governo e pelo modo favorável com que tratava os subordinados.

De acordo com o artigo sobre si na Wikipedia, era baixinho e feio, mas um hábil debatedor, de raciocínio ligeiro.

Inclusive é considerado um dos grandes pensadores do Período da Primavera e Outono, tendo como companheiro nessa categoria ninguém menos que Confúcio.

Há uma coleção de histórias de seus conselhos aos duques de Qi reunidas no chamado Yanzi Chunqiu (os Anais da Primavera e Outono de Yanzi).

Uma delas provavelmente será a dos 2 pêssegos e os 3 guerreiros, que pretendo publicar aqui em breve - quem sabe até um conto ou mesmo uma passagem do meu livro.

E tendo feito essa overture, vamos que vamos com os detalhes de sua vida relatados nos Anais da Primavera e Outono. Vem comigo!

Depois do começo

A primeira vez em que é mencionado nos Anais dá-se no 17° ano do duque Xiang de Lu. Isso equivale a mais ou menos 555 AEC e o episódio narrado tem correlação com a morte de seu pai.

Ele teria passado a usar, pelo menos por algum tempo, vestimentas de luto grosseiras, inclusive uma faixa de cabeça.

Também usava uma vara de bambu como cajado e sapatos de grama (o que quer que seja isso).

Passou ainda a viver de papa de arroz e a ocupar seu período de luto dormindo em juncos com um travesseiro feito de grama. Seu velho servo teria lhe dito que aquelas não eram

observâncias adequadas a um alto oficial

mas ele respondeu:

Só um ministro deveria fazer como os grandes oficiais agora fazem.

No ano seguinte, 554 AEC, diversas províncias se juntaram para atacar Qi e a coisa realmente ficou feia pro lado da suposta terra natal do autor d'A Arte da Guerra.

Quando ficou sabendo que Lu e Ju estavam preparadas para atacar com mil carruagens e que o duque Ling se apavorou quando soube disso, Yanzi percebeu que o fim estava próximo e comentou:
Nosso soberano anteriormente carecia de coragem e agora ele recebe essas notícias e não deve se manter por muito tempo.

De fato esse foi o último ano do duque Ling no poder em Qi. No ano seguinte a província já teria um novo soberano: Zhuang II.

Ascensão e queda (mas não de Yanzi...)

Passam-se os anos e voltamos a ter notícias de Yanzi em 550 AEC.

A ocasião foi a chegada em Qi de um sujeito chamado Luan Ying, de Chu, quando Yanzi aconselha o duque Zhuang a não receber o (aparentemente) fugitivo, por respeito à província de Jin (aliada de Qi e adversária de Chu):

Na reunião de Shangren, Jin determinou que não abrigássemos Luan. Se você agora recebê-lo, de que terá servido essa reunião? É pela boa fé que uma província pequena serve a uma grande. Se sua boa fé se perder, ela não poderá subsistir. Peço que sua senhoria considere o que digo.

O duque ignorou o conselho e o conselheiro foi desabafar com Tian Wenzi, lembra dele? Yanzi lhe disse algo do tipo:

Soberanos devem apegar-se à boa-fé e seus súditos, reverenciar a obediência. É a regra dos Céus que alto e baixo, todos devem observar a verdade de coração, a boa fé, honestidade e reverência. Nosso soberano, se afastando disso, não pode continuar por muito tempo.

Se eu fosse um duque de Qi, passaria a prestar mais atenção às palavras do mestre Yan. Dois anos depois disso Zhuang cairia, dando lugar ao longevo Jing.

Antes, no inverno do mesmo ano, Zhuang participa de outra reunião de cúpula com duques de diversas províncias, entre as quais Jin. Na pauta estava a permanência de Luan Ying em Qi.

A respeito da situação no mínimo embaraçosa, Yanzi reforçou seu vaticínio:
A calamidade está prestes a se desenvolver. Qi vai atacar Jin. Não há motivo para não ficarmos apreensivos.

Na sequência, em 549 AEC, Qi invade Wey com a louca intenção de partir pra cima de Jin. Obviamente que Yanzi também teve algo a dizer sobre essa ideia insana e foi mais ou menos isso:

O duque pretende, confiando em sua coragem e força, atacar o presidente dos tratados. Será bom para a província que ele não obtenha sucesso. Se houver sucesso sem virtude, o pesar em breve cairá sobre si.

Zhuang também foi aconselhado por outrem a não prosseguir com esses planos. Não deu ouvidos e a coisa, obviamente, não deu muito certo.

Dois anos depois, em 547 AEC, um sujeito chamado Cui Shu promove uma carnificina no meio da qual o duque Zhuang é assassinado (clique aqui para mais detalhes deste episódio).

Yanzi vai à residência de Cui e, enquanto aguarda abrirem o portão, as pessoas que estavam consigo indagam se ele iria morrer. Ele argumenta mais ou menos nessa linha:

Ele era soberano apenas para mim? Por que eu deveria morrer?

E o diálogo segue:

Você vai sair, então?

Yanzi:
É a sua morte o meu crime? Por que eu deveria fugir?

Curioso:

Você agora voltará para a sua casa?

Yanzi:

Nosso regente está morto. Para onde devo voltar? É função do governante do povo apenas pairar acima das pessoas? Os altares da província devem ser o seu principal objeto de cuidado. É o negócio do ministro de um soberano apenas se preocupar com o seu apoio? A nutrição dos altares deve ser seu objetivo. Por isso, quando um governante morre ou vai para o exílio tendo cumprido seu dever para com os altares, o ministro deve morrer ou ir para o exílio com ele. Se ele morrer ou for para o exílio por ter buscado tão somente satisfazer seus próprios interesses, quem, exceto as pessoas intimamente associadas a ele, se atreveria a suportar as consequências com ele? Além disso, quando um outro homem mata seu regente, como posso eu morrer com ele? Como posso eu ir para o exílio com ele? De que me serviria voltar para casa?

Apesar do discurso um tanto quanto impessoal, quando o portão foi aberto, ele entrou na casa, colocou o cadáver do duque sobre sua coxa e chorou.

Levantou-se em seguida, deu três saltos (nem me pergunte, mas se souber, deixa seu comentário) e saiu.

Cuizi foi aconselhado a matá-lo, mas negou-se, afirmando que, por conta do respeito que as pessoas tinham por Yanzi, ele poderia ajudar a acalmar a situação.

O mestre Yan passaria então a ser auxiliar de seu terceiro e derradeiro duque, Jing.

E isso é apenas o começo, pois ainda teremos mais três posts com a biografia desta figura.

Então, fica "deboas" que daqui a umas duas semanas você continuará a conhecer a história do mestre Yoda Yanzi.

Grande abraço e Zài Jiàn!

Créditos e referências

  • As informações acima são baseadas em três fontes:
  1.  no texto comentado dos Anais da Primavera e Outono, referente ao às regências dos duques Xiang e Zhao (da província de Lu) disponível no site do Instituto para Tecnologias Avançadas em Humanidades (IATH), da Universidade de Virgínia.
  2. Nas páginas a respeito de Qi e Yanzi no site China Knowledge.
  3. O artigo sobre Yanzi disponível na Wikipédia (em inglês).
  • A imagem da cigana foi encontrada no blog Caravana do Vento e não possuía indicação de autoria.

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