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Mainá-de-crista, ave chinesa, com o bico aberto e a cara de mau

Faz uma semana publicamos o primeiro texto sobre o vacilão duque Zhao, da província de Lu.

Descobrimos que ele tornou-se duque relativamente cedo, mas que nunca chegou a ter plenos poderes na hora de governar.

Agora, vamos terminar essa história, alcançando ao final do post o ponto onde ela se torna a história do livro que estou a escrever a respeito de Sun Tzu, o autor do livro A Arte da Guerra.

Retomamos a partir do ano 526 AEC, quando Zhao mais uma vez deu ouvidos a Zi Shen.

Na ocasião, ele preparava-se para oferecer um sacrifício di no templo do duque Wu quando o astrólogo disse:

Eu temo que alguma desgraça acontecerá no dia do sacrifício, porque tenho visto um halo vermelho e preto pouco auspicioso para ele; é um vapor de morte. Será que vai ter efeito sobre o oficial encarregado do negócio?

Mau agouro ou não, fato é que no segundo mês o sacrifício estava sendo realizado sob responsabilidade de Shu Gong (que nós já vimos por aí).

E não é de ver que o cara realmente bateu as botas? Não nos é dado o conhecimento da causa mortis.

Porém, sabemos que o sacrifício continuou normalmente, quase como se nada tivesse acontecido e, aliás, como bem mandava o figurino da época.

O eclipse e o cara que não mandava bem

No inverno do mesmo ano, Zhao finalmente consegue visitar Jin pela segunda vez.

Yiru havia sido libertado pouco tempo antes e, aparentemente, o intuito da visita era agradecer o gesto (mas pode ter sido também apaziguar os ânimos).

Independente de qualquer coisa, ele foi obrigado a lá permanecer até a virada do ano e somente retornou a Lu no verão do ano seguinte, 525 AEC.

Como dá pra perceber, o cara não mandava bem em lugar nenhum, nem em casa, nem no "estrangeiro".

Isso não impediu que ele recebesse a visita de dois soberanos em 524 AEC. Foram os viscondes da Zhu Menor e de Tan, que apareceram na primavera e no outono, respectivamente.

Nada de extraordinário foi registrado nessas visitas, diferente do ano 520 AEC, quando houve um eclipse solar e o duque perguntou a Zi Shen seu significado.

A resposta da astrólogo foi mais ou menos nesses termos:

Nos solstícios e equinócios um eclipse do sol não indica calamidade. O sol e a lua, em sua viagem, estão nos equinócios, no mesmo caminho; e nos solstícios, eles passam um pelo outro. Em outros meses, um eclipse indica calamidade. O princípio yang não pode superar o yin e, portanto, há sempre desastre de água.
A julgar pelo seu acerto anterior e pela falta de informação nos Anais, o cara parece que acertou de novo.

Mas não foi apenas isso que se repetiu nesse ano: algum tempo depois, Zhao novamente partiu em direção a Jin e voltou do meio do caminho.

Também agora foi por iniciativa de Jin, muto embora por um motivo mais palatável.

A poderosa província estava para atacar um povo semibárbaro chamado Xianyu e achou que não seria o melhor momento para receber visitas.

Isso não impediu que, dois anos depois (518 AEC), Zhao tentasse de novo, desta vez para buscar a liberação de Shusun Chuo, (mais) um ministro seu detido um pouco antes.

Novamente, ele retorna do meio do caminho.

Fazer o quê, né? Manda quem pode e obedece... Bem, desta vez, a desculpa foi do próprio duque de Lu.

Ele teria ficado doente e decidiu não continuar a viagem, mas é bastante provável que tenha ficado mesmo é com medo ou que Jin o tenha advertido a não prosseguir (ou ambos).

Papagaio come milho e leva a fama

De qualquer maneira, no ano seguinte Shusun é liberado e retorna para sua terra natal. Em 516 AEC ele é enviado a Song em uma missão de cortesia e a fim de escoltar a noiva de Ji Pingzi a Lu.

Enquanto ele é recebido pelo duque Jing, descobrimos que a fama de Zhao também é conhecida na província vizinha.

Quem fala é um sujeito chamado Yue Qi (obviamente, não na presença do hóspede):
O soberano de Lu terá que deixar sua província. O governo de lá está há três gerações nas mãos dos Ji (Wenzi Hangfu, Wuzi Su e agora Pingzi Yiru). Quatro governantes da Casa de Lu agora perderam o controle do governo (Xuan, Cheng, Xiang e Zhao). Não houve um caso em que o governante poderia realizar sua vontade sem as pessoas. O governante de uma província deve por esse motivo ser o protetor e confortador de seu povo. A ode diz:

"Os homens não são;
É a tristeza do meu coração."

O soberano de Lu perdeu o povo; como ele pode fazer sua vontade? Se ele ficar quieto e esperar o desenrolar dos eventos, pode ser que consiga; qualquer movimento resultará em sua tristeza.

Confesso que não faço a mínima ideia do que significa essa ode, mas é isso mesmo que está escrito.

De qualquer maneira, voltando a Lu, e como se fosse um agouro, mainás-de-crista migram para a região e fazem ninhos nas árvores. O evento é estranho por duas razões:

  1. típicas do sul e sudeste da China, raramente essas aves apareciam por ali e
  2. elas não tinham o hábito de fazer ninhos, geralmente usando buracos em árvores, paredes e barrancas

Naturalmente, não iria demorar para algum cabeçudo (Shi Ji) jogar praga em alguém (duque Zhao). Shi fez referência a uma cantiga que garotos cantavam na época dos duques Wen e Cheng.

A cantiga relacionava o aparecimento anormal das aves à queda dos duques. Será que seria agora o caso de Zhao?

O começo do fim

Vejamos, com o grande poder que detinha, o mandachuva de fato, Pingzi, foi acumulando algumas poderosas inimizades ao longo do tempo.

No texto a seu respeito contarei os detalhes de algumas delas, aguarde!

Por enquanto, basta saber que a situação estava tão periclitante pra seu lado que Gonghai (ou Gongruo), um de seus tios, tramou para cima dele.

E usou para isso ninguém menos que um dos filhos do duque, Gongwei.

Claro que rolou um agrado antes, com o Gonghai dando um arco de presente para Gongwei e indo junto com ele testar o brinquedinho fora da cidade.

Nessa brincadeira eles conversaram sobre dar um fim em Jishi, que vem a ser o nosso intrépido Pingzi.

Gongwei deu a ideia para seus irmãos Gongguo e Gongfeng, mas somente após meses de insistência conseguiram convencer o duque a aderir ao plano.

Na verdade, quem primeiro conseguiu falar com Zhao sobre o assunto foi um criado de nome Liaonan, a quem o soberano teria respondido:

Isto é algo além de um homem pequeno como você.

Só então Gongguo em pessoa conseguiu falar com seu pai, que foi consultar um sujeito chamado Zangsun, que não gostou da ideia. Housun, por sua vez, também foi consultado e achou factível a empreitada.

Após ser encorajado por Housun, o duque consultou ainda Zijia Yibo, que destacou algo do tipo:
Eles são caluniadores que incitam sua senhoria a fazer algo tão arriscado. Se vocês não obtiverem sucesso, você receberá a culpa. Isso não deve ir adiante. Você e vários de seus antecessores perderam o apoio do povo. Se você procurar agora recuperar o apoio por esses meios, não há certeza de sucesso. O governo, por outro lado, está nas mãos dele, contra quem vai ser difícil fazer algo.

O duque, então, o teria dispensado, mas ele se recusou a ir (provavelmente percebendo que suas palavras foram vãs), dizendo algo parecido com:

Agora  faço parte dos seus desejos a respeito disso. Se qualquer dessas palavras vazar, não me seria permitido morrer de morte natural.

Então ele passou a residir com o duque. Na sequência, enquanto Shusun Zhaozi estava em Kan, o duque atacou Pingzi no dia Wuxu do nono mês, matando Gongzhi no portão.

Pingzi subiu uma torre e solicitou que

sua senhoria, sem avaliar meus crimes, enviou seus oficiais com seus escudos e lanças para me punir. Me permita esperar próximo a Yi, até que meus crimes sejam investigados.

O duque recusou-se a atender ao pedido e Pingzi solicitou, então, que pudesse ser preso em Bi.

Pedido negado também, o coitado quis, por fim, que Zhao o deixasse abandonar a província com cinco carruagens.

Quando o duque negou pela terceira vez, Zijiazi entrou em ação e disse algo do tipo:
Sua senhoria deve conceder o pedido. O governo tem estado por muito tempo nas mãos dele. Parte da população que sofre obtém seu alimento com ele. Seus seguidores são muitos. Se traidores surgirem quando o sol se for, não podemos saber em que resultará. A raiva de seus muitos adeptos não deve ser alimentada. se for nutrida, mas não aplacada, ela irá acumular. Quando é assim alimentada e acumulada, as pessoas vão começar a ter novos propósitos e então vão se unir àqueles que buscam o mesmo que ele. Sua senhoria se arrependerá disso.

Zhao não deu ouvidos ao conselho de Zijiazi e pediu a Housun, que urgia pela morte de Pingzi, que trouxesse Meng Yizi (Zhongsun Heji) à sua presença.

Contra vapor

Enquanto isso, Zong Li, o cavalariço de Shusun, perguntou a seus chegados o que eles achavam da situação. Ninguém respondeu e ele emendou:

Não sou ninguém mais que um oficial de uma família e não pretendo saber sobre os assuntos da província. Mas será melhor para nós que haja Jishi ou não?

Todos concordaram que não, acrescentando que sem Jishi (Pingzi) também não haveria Shusunshi.

Zong Li então os liderou até o local da confusão, rompeu o cerco e facilmente subjugou os soldados do duque, que estavam tranquilos, de cócoras, com suas aljavas nas mãos fechadas (sem duplo sentido, pls).
Mengshi, que Hou(sun) Zhaobo havia ido buscar a mando de Zhao, foi esperto e mandou um soldado averiguar a situação antes de ele mesmo dar as caras.

Ao saber que a situação estava preta para o duque, não teve dúvidas, matou Housun ali mesmo onde estavam, logo a oeste do portão sul, e partiu para atacar os homens do soberano.

Zijiazi, o falastrão, argumentou em defesa de seu soberano:

Todos os oficiais que, sob falso pretexto, levaram o duque a essa situação deixarão a província com esse crime sobre suas cabeças. Deixe sua senhoria permanecer. Yiru agora sentir-se-á compelido a mudar sua conduta a serviço de sua senhoria.

Yiru, no caso, é o Pingzi. Zhao teve um momento de lucidez e confessou que não daria conta do recado.

Consultou-se com Zangsun nas tumbas e então partiu para Qi, ficando a princípio em um lugar chamado Yangzhou.

O que acontece daí pra frente é basicamente o que já registramos no último post sobre a história de Qi e também no post final sobre o duque Jing de Qi.

É também o pano de fundo da minha versão da história de Sun Tzu.

A história de Zhao ainda segue até o ano de 509 AEC, mas isso não nos interessa no momento.

De qualquer maneira, continue acompanhando o blog, pois ainda conheceremos pelo menos dois importantes personagens (além de alguns mais coadjuvantes) e continuaremos com a série das odes do clássico Shi Jing, o Livro das Canções.

Zài Jiàn!

Créditos e referências

  • As informações acima são baseadas em duas fontes:
  1.  no texto comentado dos Anais da Primavera e Outono, referente ao à regência do duque Zhao (da província de Lu) disponível no site do Instituto para Tecnologias Avançadas em Humanidades (IATH), da Universidade de Virgínia.
  2. Na página a respeito de Lu no site China Knowledge.
  • A imagem do agourenta ave chinesa foi obtida no blog O Biólogo Amador e não há indicação de autoria.

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