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Quando Gandhi, Felipão e Bernardinho finalmente encontram Sun Tzu

Felipe Scolari e Parreira, os caras que mandam na seleção (rumo ao hexa?), conselheiro e aconselhado, não necessariamente respectivamente.

Por mais sábios que sejam reis, presidentes, executivos, jogadores de futebol e líderes em geral, parece que desde tempos imemoriais existe a necessidade de bons conselheiros.

Nos dias de hoje, na seara da administração de empresas, criou-se por exemplo a figura do coaching, que seria algo como ter um personal guru para te ajudar a evoluir na carreira.

Obvia e naturalmente, de nada adianta ter um Felipão ou um Bernardinho só pra você se não presta atenção ao que ele diz (ou se até presta, mas não segue seus bons conselhos).

É como se Mahatma Gandhi, num campo de batalha, fosse aconselhado por Sun Tzu em pessoa destilando toda a sagacidade d'A Arte da Guerra aos seus ouvidos e o ignorasse completamente.

Aparentemente o sucesso da pequena Wu em sua campanha insana contra Ch'u deve-se, em boa medida, exatamente à conjugação desses dois fatores:

  1. bons conselheiros; e
  2. um governante que a eles dava ouvidos.

Ch'u, por sua vez, pendia para o outro lado da moeda: tinha bons conselheiros, mas não quem lhes desse ouvidos e, pior!, eventualmente eram tratados de tal forma que acabavam por ir embora, muitas vezes aportando (adivinhou) em Wu.
Não é o caso de Sun Tzu, que ou nasceu em Wu ou em Ch'i. Mas Wu Tzu-hsü e Po P'i são os dois grandes exemplos deste comportamento sem noção de Ch'u e, junto com o autor d'A Arte da Guerra, desempenharam um papel central em toda a peleja.

Os comentários aos Anais da Primavera e Outono (link em inglês, confira o 30º ano de Zhao) trazem inúmeras passagens que ilustram esta nem sempre frutífera relação entre governantes e assessores.

A que reproduzo neste post, e que será representada em meu livro com os devidos e necessários ajustes, exemplifica a questão sob ambos os pontos de vista: de Wu e de Ch'u.

Embora trate-se de um trecho de tiro único, os conselhos em questão parecem não se referir ao mesmo episódio, apesar de eu crer que não estão muito apartados no espaço-tempo.

Conselhos ao wang de Ch'u

O primeiro diz respeito a Zixi aconselhando o wang de Chao sobre a decisão de receber como aliados os nobres enviados pelo falecido Liao para atacar a província.

Estamos em 511 AEC, ano do tigre de metal no calendário chinês, e está escrito:

O visconde de Wu exigiu que o povo de Shu sitiasse Yanyu e que o povo de Zhongwu sitiasse Zhuyong, locais para onde ambos os príncipes fugiram em Chu . O visconde dessa província concedeu a eles uma grande quantidade de terras e determinou para onde eles deveriam se retirar, fazendo Daxin , o inspetor de cavalos [do rei] , encontrar-se com ambos e os conduzir a Yang, sua nova residência. Ran, o diretor-you (?), e Xu, comandante de Shen, o marechal da Esquerda, muraram aquela cidade e anexaram a ela parte das terras de Chengfu e Hu. Isso foi feito com a intenção de atingir Wu.
Claro que Zixi não podia ficar calado e protestou:

Kuang de Wu recentemente assumiu o governo e demonstra afeição ao seu povo. Ele os considera como seus filhos e compartilha todos os seus sofrimentos — deve ser com a intenção de usá-los. Se estivéssemos a cultivar boas relações com as fronteiras de Wu e fazê-los submeter-se a nossa gentileza teríamos razão para temer seu ataque, mas o que fazemos é conceder território a seus inimigos e deste modo aumentamos sua ira; - isso certamente é impróprio.

Wu está ligado por uma longa descendência à Casa de Zhou, mas, localizada ao longo do mar, não tivera relações com outras províncias Ji. Agora, porém, ele começou a ser grande e pode ser comparado a uma das províncias do reino. Kuang também é muito talentoso e vai querer seguir um caminho semelhante ao dos antigos reis. Nós não sabemos se os Céus farão dele o objeto de sua ira, levando-o a dilacerar e arruinar a província de Wu, e com isso engrandecer algum outro sobrenome, ou se vão no fim contas fazer dele um instrumento para abençoar Wu.

O resultado não demora; enquanto isso, por que não permitir que nossos espíritos se aquietem e que nosso povo descanse em paz até que vejamos como os fatos se desenrolam (how the scale turns)? Por que devemos nós começar uma luta penosa?

Caso você não se lembre ou não tenha lido, Zixi era tio de Chao e teve um pequeno desentendimento com Nang Wa, a propósito da morte e sucessão de P'ing.
Talvez sob influência de Nang Wa, Chao não deu ouvidos ao conselho de seu tio.

Kuang (o wang Ho-lü, de Wu), teria se enfurecido então (por causa exatamente do que Zixi havia dito ao wang de Ch'u) e, no 12 º mês, em pleno inverno, apreendeu o manda-chuva de Zhongwu. Logo depois, continuou a execução de seus planos para invadir Shu.

Conselhos ao wang de Wu

Na sequência do texto, e não está claro se em paralelo ou se algum tempo depois do acontecimento acima, Ho-lü (Kuang) solicita a opinião de Wu Yun, que nós já conhecemos como Wu Tzu-hsü, a respeito de invadir Ch'u. Dizem os Anais que teria dito Ho-lü:

Quando você falou anteriormente de invadir Chu, eu sabia que necessitava ser aconselhado quanto a executar tal medida. Mas eu estava com receio de que o rei me enviasse e eu não queria que outro homem recebesse o mérito de minhas façanhas. Agora o mérito será o meu próprio; o que você diz de atacar Chu?

Yun, então, teria respondido:

O governo de Chu está nas mãos de muitos, que estão em desacordo entre si, e nenhum deles poderia arcar com o ônus da calamidade. Se formarmos três exércitos para assediá-los, quando um deles se aproximar, todas as forças de Chu vão avançar. Deixe-o em seguida se retirar; e quando eles recuarem, nós avançamos novamente. Chu ficará, assim, cansada das marchas; e quando tivermos, portanto, repetidamente os assediado e desgastado, levando-a também ao erro em muitos aspectos, se seguirmos o nosso plano com todos os nossos três exércitos, temos a certeza de fazer uma grande conquista.
Os Anais concluem a passagem informando que Ho-lü seguiu o conselho e Ch'u, assim, não teve mais sossego.

Note que o próprio texto chinês sutilmente diferencia as atitudes dos governantes de cada província.

Em relação a Ch'u, não é o wang que solicita a opinião de seu conselheiro, mas este próprio que "protesta" contra a decisão de seu líder.

Já em Wu acontece exatamente o contrário: o conselheiro estava lá no canto dele sossegado quando foi consultado pelo seu wang.

E, como eu já pontuei lá em cima, é por essas e outras que a pequena província de Wu, no fim das contas, acaba por subjugar a todo-poderosa Ch'u -- e que o Bernardinho ganha uma baba para dar seus conselhos por aí.

Quem tiver ouvidos que "ouva"!

Hasta!

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Caricatura dos boleiros gentilmente cedida pelo Nei Lima, obtida via Photoshop Creative

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