Nos tempos de Sun Tzu II - mudança de hábito
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<< Relevo em tijolo com motivo de carruagem (Han) -- via Bricks Without Clay >> |
É dezembro, o velho já está na UTI e mesmo assim vamos caminhando com as intrigas da antiga China.
No texto anterior, vimos a ascensão de Ch'u, suas engronhas com Chin e a aproximação deste com Wu, província que abrigaria o gênio militar de Sun Tzu, autor d'A Arte da Guerra. Vimos que esta aliança foi sacramentada com a visita do kung de Shen, Wu-Ch'en.
Pois bem, pouco depois desta visita, ainda em 584 AEC, Wu monta seu primeiro ataque preventivo contra um distrito subordinado a Ch'u, o distrito de Hsü.
A partir de então, durante as seis décadas seguintes haveria confrontos freqüentes entre Wu e Ch'u, enquanto ambos aspiravam a dominar a região.
Durante este período Wu saiu-se vitorioso de praticamente todos os confrontos, enfraquecendo o poder e a influência de Ch'u.
Estas repetidas derrotas forçaram Ch'u a reconsiderar sua organização e seus métodos militares, ocasionando pausas nas hostilidades por até cinco anos, quando Ch'u buscava reconstruir e retreinar suas forças.
A maioria dos ataques era empreendida por meio de rotas aquáticas, resultando em batalhas navais, seguidas de limitados ataques por terra. Em praticamente todos os casos Wu estava melhor preparado e conseguia
- parar ou mesmo fazer com que as forças de Ch'u recuassem, ou
- habilmente utilizar-se de subterfúgios e estratagemas para virar o jogo a seu favor.
Seja como for, Wu também se mostrava melhor preparado para explorar estas possibilidades transitórias.
Com isso, o prestígio de Wu cresceu a tal ponto que, já em 576 AEC, recebeu reconhecimento formal de Chou (o que quer que isso signifique).
Ao mesmo tempo, o de Ch'u seguia ladeira abaixo, principalmente em função das sucessivas derrotas, e não apenas para Wu, como foi o caso de 575 AEC, quando o carrasco da hora foi Chin.
Era uma vez um nobre
Três anos após o nascimento de Sun Tzu, ocorrido em 544 AEC, ocorreu um fato emblemático das mudanças por que passava a guerra nos campos de batalha: o comandante de Chin, Wei Shu, fez com que suas forças de carruagens desmontassem e travassem batalha, como forças de infantaria, contra soldados "bárbaros" que lutavam a pé.Este episódio ocorreu no primeiro ano do governo do kung Chao (541 AEC) e é significativo pelas seguintes razões:
- As carruagens, apesar de suas várias limitações, eram muito utilizadas como armas de guerra, assim como (e complementando): arco e flecha, lanças, machados, adagas e (minha preferida, que dá para traduzirmos como) adaga-machado (ko).
- Havia uma diferença de status entre os que lutavam (ou participavam das operações de guerra) sobre as carruagens e os que lutavam a pé (a infantaria). Somente os indivíduos de classes nobres lutavam em carruagens. Os que lutavam a pé pertenciam às classes mais baixas ou eram os inimigos "bárbaros".
- Chou rende-se às limitações das carruagens, abandonando-as para travar batalha com o inimigo em um vale confinado.
- A relutância de pelo menos um alto oficial em desistir de sua honrosa posição e "rebaixar-se" ao status de soldado de infantaria fez com que fosse sumariamente executado.
Assim, à medida em que a infantaria ganhava força (em números e, consequentemente, em importância) oficiais da nobreza passavam a comandá-la e patentes por feitos militares eram atribuídas a qualquer um, independente de nível social.
Consequentemente o status de soldados de infantaria melhorou dramaticamente, mesmo que antigos preconceitos ainda tenham perdurado.
É importante ressaltar que carruagens não eram utilizadas nesta época em províncias periféricas do sudeste, a exemplo de Wu e Yüeh. A princípio isto se devia ao desconhecimento e à existência de terrenos pouco adequados.
No entanto, mesmo após terem aprendido as habilidades e as táticas relativas ao seu uso na guerra, estas e outras províncias e distritos continuaram a utilizar primariamente a infantaria.
Além de reduzir a importância relativa das carruagens, Wei Shu elaborou uma outra tática não convencional para atingir seus objetivos: em vez de um ataque direto, utilizando uma formação clássica, ele posicionou as carruagens e as forças de infantaria em uma formação incomum, desequilibrada, de modo a distrair o inimigo pelo ridículo da situação.
Assim distraídos não perceberam o que ocorria de fato e acabaram derrotados pelas forças de Chin.
Foi mais um entre muitos exemplos de táticas não ortodoxas utilizadas para vencer batalhas na China da época em que A Arte da Guerra supostamente foi escrito.
E também é mais um exemplo de que Sun Tzu sabia o que dizia:
Os que são hábeis na Lei da Guerra fazem o inimigo se mover segundo sua vontade, criando situações desvantajosas para ele. Atraem-no com ilusões de vitória e o emboscam numa armadilha fatal.
A tempo, este é o último post do ano e, ao contrário do que escrevi no anterior, não foi possível discorrer sobre a batalha de Chi-fu, que ficará para 2014. Nos vemos lá, após uma ótima virada.
Inté!
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